Ainda um pouco antes do pôr do sol, um cavaleiro ainda trajado em algumas partes de sua armadura de ferro tentava desesperadamente acender uma fogueira, na clareira mais afastada o possível da estrada e da floresta mais densa, simultaneamente.
Eis que quando o fogo começa a estalar nos galhos secos e finos, passos descuidados e barulhentos acompanham o chiado.
- Quem és e o que queres? – Bradou alto e forte o cavaleiro, tirando da bainha sua espada curta e apontando à sombra que vinha em seu encontro.
- Não aponte essa lâmina a um poeta indefeso, honrado cavaleiro – disse avançando aos poucos, levando consigo seus trajes de tecido leve, que não o protegeria melhor do que estar nu durante a noite da floresta. Levava também um bandolim, peça não muito rara de se encontrar, mas um pouco difícil de encontrar quem o dominava.
Ao analisar que se tratava de alguma alma que vagueava por entre as árvores grossas da floresta – e tremia bastante enquanto permanecia parado olhando em direção a ele – convidou o artista a sentar-se próximo ao fogo.
- Agradecido, companheiro. – Respondeu numa reverencia ao homem – lhe ajudarei no fogo, com essas folhas de alquimista. – e depois de tira-las de um saco de couro, jogou-as no fogo, ascendendo-o bastante.
- Ora, grato estou por não matá-lo. – ponderou sobre o que disse, e depois emendou: - o que o traz até este encontro, andarilho?
Sentou, alongou e estralou costas e juntas, depois pescoço, chutando sem querer a lança do cavaleiro que o acolheu (desculpando-se imediatamente e provocando algumas risadas dele).
-Foi amor. – E suspirou – Amei muito uma mulher que talvez me amasse muito também.
De braços cruzados o guerreiro continuou a fitar o outro, concordando algumas coisas com a cabeça
- E não ama? Pediu-lhe algo para conquistar? – finalmente interveio.
- Não. Não era pra ser. Nem nós nem qualquer outro. – respondeu em voz calma – Ela já amava outro homem, neste caso só me sobrou sentir.
-Sem lutar? Sem luta não há vitória.
-Não se luta contra o destino, amigo. – respondeu, pegando bandolim e rasgando um pouco do silencio com algumas notas. – Estou fardado à derrota.
Consentiram os dois, e o cavaleiro finalmente falou:
- É da essência dos Homens conquistar, irmão! – e apontou para um ninho de pássaro mal iluminado por conta do anoitecer – os pássaros tem seus ninhos, mas a humanidade tem castelos! – e procurou mais exemplos na natureza – Já viu lobos caçando? Eles usam suas garras e seus olfatos, mas nós usamos espadas e lanças – apontou para a própria – e também usamos os lobos.
- E daí? – falou, ainda que num tom respeitoso – nossa essência pode ser a de conquistar, mas a natureza não se conquista de forma alguma, Homens apenas conquistam outros Homens.
- Mas conquistam! – sentiu-se triunfante o cavaleiro, claramente errado.
- Assim tem quem conquista e vence, e os que são conquistados e perdem. Bom, perdi em meus romances e temo continuar perdendo não importa quanto tente.
-É. Ainda um infanto em treinamento eu apanhei muito.
- Apanhar não é sinônimo de perder. Podes continuar não apanhando e perdendo igual.
-Ora! Quando eu corto a garganta de seu inimigo não sou eu quem perco! – bradou enfurecendo-se
-E és quem vence? Vencer é cortar a garganta do meu inimigo?
Continuaram em silencio, ouvindo o fogo estalar e vendo-o dançar, tremendo de frio e sentindo fome. Algumas estrelas brilhavam mais intensamente que as outras, e a lua crescente estava apagada e sem graça, como se no céu estivesse sendo travada uma batalha de quem brilha mais forte.
As estrelas que estão ganhando pensaria o lanceiro.
A lua e as estrelas estão perdendo diria o menestrel.
-Nunca perdeu alguém, companheiro? – perguntou enquanto dedilhava agilmente o bandolim de madeira.
- Nunca tive o que perder. Não tive amores para sofrer nem entes queridos para perder na guerra. Eis o segredo da vitória, é não ter onde perder.
- Viver a derrota não é ser vitorioso – respondeu o menestrel recordando de histórias que lhe contavam na infância – o soldado que não tem um país para defender vai a guerra por quem? Ou pretende passar por toda essa vida sem nunca amar alguém?
- Este tal amor que você reclamou de ter te trazido infelicidade mais cedo, por que faria parte de ser vitorioso?
- É como teu treinamento. Precisou apanhar muito para que pudesse lutar como um vencedor, e eu, bem... – suspirou em mágoa novamente – precisarei me magoar muito para que possa amar como um vencedor.
E concordaram, finalmente.
-O que mais é derrota para ti, poeta?
-A morte, talvez?
-A morte é o descanso da jornada da vida. – corrigiu – os heróis não se tornam derrotados quando morrem, são louvados pela vida que tiveram.
-E o que faz de alguém herói?
Tanto o menestrel quanto o lanceiro encontraram a resposta, ainda que tremer de frio seja ruim, queimar no calor é também. Vitória não é ter a vida regada de falsos amores e boas memórias do menestrel, tampouco ser um soldado implacável e invencível em guerra como o lanceiro; pois ambos estavam na floresta, tremendo de frio e sentindo fome.
-Ser um herói não é ser glorioso ou lembrado por eras – pensou o guerreiro – isto é o que querem que sejamos.
- E também não é ter todos os amores correspondidos – concluiu o bardo – o herói é o vitorioso.
E vitorioso é quem não desiste, apesar das derrotas pensou o lanceiro.
A vitória não é o oposto da derrota, é o resultado dos ensinamentos que apenas quem perde consegue aprender pensou o menestrel.
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O Lanceiro e o Menestrel
Short StoryA personificação humana da conquista e o esteriótipo de derrota se encontram numa clareira ao anoitecer. Incrivelmente para alguns, a felicidade não está no acumulo de conquistas humanas nem em realizações pessoais. Mas se ela existe, por que exist...