Capítulo X - Jameson: Você sabe jogar?

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Eu estava no maior nível de tensão que se possa imaginar, o esconderijo era quente, empoeirado, a falta de espaço para me movimentar deixava o corpo dolorido e apesar de tudo parecer calmo lá fora, eu estava com muito medo, quase paranoico, me perguntando se eles ainda estariam na sala, à espreita. Depois de tantos gritos e tiros era normal estar aterrorizado e o ápice do pavor veio quando surgiu a vontade de espirrar, o nariz ardendo, tentei segurar tampando com as mãos mas o resultado foi desastroso, o coração acelerou e senti minhas pernas fraquejaram, mas nada aconteceu, mesmo com este claro sinal de que a sala estava segura, optei por permanecer escondido acreditando que eles poderiam voltar a qualquer instante.

Verifiquei novamente o celular mas a rede estava fora do ar, a medida que fui me acalmando, pensei que o que quer que estivesse ocorrendo ali poderia me trazer algum lucro ou fama, eu seria o sobrevivente do massacre, poderia escrever um livro, dar entrevistas na televisão e para isso, precisava sair daquele armário ou seria o covarde que se escondeu enquanto os outros eram mortos. Como a história pertence a quem vive para contá-la, eu só precisaria escolher a forma certa e isso poderia me render até um cargo político, queria a maior parte do bolo e essa sempre fica para aqueles que sabem aproveitar a oportunidade.

Reuni a coragem e abri vagarosamente a porta, precisaria ajeitar as coisas de acordo com minha versão da história se quisesse pegar aquele atalho para o sucesso. Senti um grande alívio quando o ar do exterior invadiu meus pulmões dando a impressão de que era o mais puro do mundo, um bem estar instantâneo que durou pouco, pois ao olhar para sala fui chamado à realidade, pessoas mortas, uma cena chocante que desorganizou meus pensamentos por um momento até que o vi, Eddie estava de pé, as mãos apoiadas à mesa, as roupas manchadas de sangue e respirando com dificuldade. Mesmo com toda aquele cenário de terror, senti raiva, aquele cara era o sobrevivente que eu queria ser, alguém sem a habilidade para aproveitar a situação, mas que era favorecido pelo destino.

Antes que eu desse o segundo passo em sua direção, como se fizesse um grande esforço ele falou:

- Saia, porco imundo! Covarde! Todos estão mortos e se continuar aqui fará companhia a eles!

Fiquei irado com suas palavras, quem aquele bajulador pensava que era para falar comigo daquela forma? Mesmo em condições normais ele jamais conseguiria me vencer em uma briga e estava ali se esforçando para ficar em pé, mal falando. Ignorei o aviso e tentei me aproximar, ele levantou a cabeça e descobri que aquele não era Eddie, com seus olhos cheios de sangue, ele tremia, parecia completamente insano e realmente disposto a cumprir sua promessa, ele chegou a dizer mais alguma coisa, mas não entendi, já estava correndo em direção à saída.

Ouvi gritos ao passar pelo banheiro do corredor, mas nunca tive vocação para herói, então segui em frente, queria sair daquele lugar o mais rápido possível, não sabia o que estava acontecendo. Desci de elevador até o estacionamento, estava silencioso, mas permaneci apreensivo, aquela quietude me incomodava, onde estariam os bandidos? e a polícia?

Já estava chegando ao local onde deixara meu veículo quando, ao passar por uma camionete vi uma cena que me fez sentir algo difícil de descrever, eram pessoas se alimentando do cadáver de um dos motoristas de ambulância, elas rasgavam o corpo do infeliz com os dentes, a pele se esticando antes de romper, muito sangue espalhado, pude reconhecer funcionários e pacientes do hospital entre os canibais. Fiquei paralisado por alguns momentos então alguns deles se voltaram para minha direção, a mesma feição demoníaca de Eddie, eles farejavam como animais, babando aquela mistura de saliva e sangue e começaram a vir em minha direção.

Corri de volta para o elevador, enquanto subia, me lembrei de uma janela na central de medicamentos do terceiro andar que era a única sem grades no prédio, apesar de estreita, seria suficiente para que eu pudesse passar e chegar ao telhado. Ao chegar ao pavimento, tive a impressão de que não tinha ninguém ali, peguei um ornamento de madeira em forma de flamingo que ficava ao lado de uma planta na porta do laboratório, sua base era maciça e serviria de bastão para me proteger. Ao caminhar pelo corredor, vários deles surgiam saindo das enfermarias, me seguindo como cães atrás de carne. Golpeei um que estava próximo, ele caiu mas me segurou pela perna, consegui evitar que me mordesse batendo forte em sua cabeça, me soltei e corri até a porta da central.

Ofegante e assustado eu entrei na sala, estava escura mas isso era a menor das minhas preocupações, escorei a porta com uma mesa, pensando que tentariam entrar, mas não aconteceu, eles empurravam e batiam na porta mas não viraram a maçaneta, eu ainda olhava para porta quando fui pego, um braço envolveu meu pescoço enquanto algo pontiagudo era pressionado contra minhas costas, senti o hálito quente quando ela perguntou:

- Morderam você?

Não consegui falar, por um instante senti como se meu coração tivesse parado, só consegui balançar a cabeça negativamente então ela me soltou, era Martha, a farmacêutica, uma mulher inteligente, mas alheia ao significado da palavra vaidade, daquelas que só se interessam por livros e comida. Perguntei se ela sabia algo sobre aqueles caras do lado de fora e ela respondeu:

- Sei tanto quanto você, aquelas coisas são nossos colegas, pacientes e pessoas que estavam no hospital, estão doentes, por algum motivo se tornaram antropófagos. Pessoas que sobrevivem aos ataques mas são mordidas ficam da mesma forma, completamente irracionais. Como nenhum deles tentou abrir a porta, acredito que estamos em segurança aqui.

Apesar do que ela disse, olhei para a janela, Martha era uma mulher gorda, não conseguiria passar mais que seu braço por ali. Senti que ela me observava, já devia saber qual era minha ideia, mas coloquei o flamingo no chão, enfiei a mão em um dos bolsos e a vi sorrir quando perguntei:

- Você sabe jogar cartas?

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