Capítulo 2

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Quando percebeu que passava as mãos pelos lábios, contornando-os, Daniela deteve-se, colocando as mãos ao lado do corpo. Era bobagem achar que Afonso gostava dela, muita bobagem...

Afinal, ele tinha passado mais de três anos longe da cidade, estudando para ser um administrador tão bom quanto o pai, dono de uma das cinco maiores fortunas de Londres, e ela sabia que Afonso realmente não se importava com ela porque, além de ser quatro anos mais velho, podia ter qualquer mulher que desejasse. As mães ofereciam as filhas mais preparas para um casamento: classe social, boa postura, estudos em línguas e geografia, bordado, todos os tipos imagináveis de danças, e charme forçado, mas nada disso o atraíra.

As horas pareciam passar devagar enquanto Daniela não adormecia. Por mais que tentasse não pensar sobre como se sentira naquela tarde, os pensamentos sempre voltavam, assustando-a, como num pesadelo. Ela não entendia a fixação de sua mente a respeito do irmão de Najla. Por que ela se sentia diferente quando estava perto dele? Não o havia visto desde que completara 14 anos e, agora, já tinha completado 18!

Não se importara com ele durante quatro anos, não recebera nenhuma carta, nem, ao menos, lembranças. Com exceção da ultima carta e dos últimos presentes,Afonso não tinha feito menção a ela em nenhum outro momento. Daniela sabia que Najla e o irmão eram super ligados, como também sabia que a mãe dele fora contra essa viagem pelo mundo durante um ano e muito mais, a respeito da faculdade. Sinceramente, a jovem se esforçava para entender o porquê de uma mãe ficar preocupada ou ser contra o filho estudar fora, imaginava que deveria ser a saudade. Mal conseguia ficar uma semana longe da melhor amiga, dos pais... Imagine então quatro anos! 

O livro que Afonso lhe dera, que chegara uma semana depois da carta, tinha um lugar especial em cima da cabeceira da jovem, bem longe do candelabro para que a cera das velas não pingasse nele. Não exagerara quando contara a melhor amiga que aquele era o melhor livro que já havia ganhado de presente. Afonso realmente acertara na escolha. Se algum dia pudesse viajar, com certeza iria a Paris, visitaria todos os palácios e todos os jardins... 

Virando-se pela cama, Daniela estendeu o braço para alcançar o livro e abri-lo. Pegou o candelabro, ainda aceso, da cabeceira e caminhou até sua mesinha, segurando o livro contra o peito. Na contra capa havia apenas a data: dezembro de 1839, o que significava, segundo Daniela deduziu, que Afonso comprou o livro bem antes de enviá-lo. Depois que colocou o candelabro na mesa, sentou-se e observou folha por folha do livro. Nunca se cansaria de olhar as pinturas, cada detalhe era incrivelmente definido e o que mais atraia a jovem era a vida boêmia da população mais pobre. Uma vida que ela nunca teria, é claro. Tudo na vida deDaniela era regrado: às oito da manhã acordava e uma criada a ajudava a vestir-se. Desjejuava às nove e meia, lia um livro até o horário do almoço, ao meio dia. Tinha a tarde livre, mas voltava antes das seis para ir à missa aos domingos. Durante o tempo livre, sua criada a acompanhava aonde quer que fosse e depois relatava tudo o que fizera a mãe de Daniela. As raras exceções eram quando estava na companhia de Najla. 

Passando os dedos por uma das ultimas páginas do livro, Daniela suspirou. Sua vida era monótona demais, reconheceu ela, enquanto o fechava. Caminhou até a janela e afastou as pesadas cortinas. A lua brilhava no céu escuro, circundada de estrelas. 

Tocando o tecido pesado da camisola, Daniela desejou que uma estrela cadente atendesse seus pedidos e lhe desse um amor, alguém com quem pudesse contar, alguém que lhe desse filhos, alguém que permitisse que ela viajasse. Eram as únicas coisa que ela desejava. Já tinha dinheiro, não precisava de uma vida melhor. Era amada pelos pais, tinha uma melhor amiga, vestia os melhores vestidos em todos os bailes e, mesmo assim, não se sentia confortável. Londres era adorável, não tinha do que reclamar a respeito da cidade, achava que o problema era só a monotonia da própria vida.

It Was Always You [EM PAUSA PARA REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora