Capítulo 5

412 15 1
                                    

Daniela não olhou para trás depois que vestiu o robe, porque não se importava em, ao menos uma vez na vida, saber se seu cabelo estava do jeito que deveria estar, se sua postura era adequada ou se estava sorridente o suficiente. Não eram as aparências que deveriam importar dali pra frente; era a sinceridade, a felicidade e, sobretudo, a amizade. A sociedade inglesa não importava dali pra frente. Nem mamãe, nem papai, nem Najla ou Olívia, nem os pais de Afonso...

O corredor acabou mais rápido do que ela desejava e, assim que avistou as duas grandes portas brancas, exigiu de si mesma uma enorme coragem para não dar meia volta, pular pela janela, pegar um cavalo e voltar correndo para a casa dos pais - onde teria segurança suficiente; como uma garotinha assustada faria.

Daniela tinha sido essa garotinha assustada pelos 18 anos que vivera na mansão com os pais. Nunca tomara suas próprias decisões e, no único momento que era realmente seu, o casamento, também não o fizera. Aquela Daniela estava morta, ela não mais existiria, porque assim que entrasse naquele quarto, ela não seriaDaniela Lexfinn, ela seria Daniela Burmingham. 

Ninguém duvidaria disso na manhã seguinte. Ninguém nunca duvidava. E isso a deixava irritada, já que não sabia o porquê de nunca haver duvidas. Mamãe nunca falara para ela o que acontecia com uma moça quando ela se casava e se tornava uma senhora. Na verdade, nunca vira ninguém mencionar o assunto na frente dela. Mas agora que tinha se casado, talvez ela descobrisse por si mesma assim que passasse pela porta - e isso a assustava, muito. Parecia seu pior pesadelo revivido minuciosamente a cada vez que ela estendia a mão e não conseguia, sequer, tocar a maçaneta. 

Você é tão boba, Daniela, pensou com si mesma. O que havia atrás daquela porta? O marido que jurara diante de todos que a respeitaria e protegeria pelo resto da vida, o homem que a carregara para dentro de casa sob a chuva que caia assim que chegaram... E, sobretudo, aquele homem sobre o qual ouvira Najla falar o tempo todo depois que recebera a única carta dele (que também mandava lembranças a ela!). 

Não haveria um homem mau atrás daquelas portas... Como poderia? Se ele não se importasse com ela, nem ao menos um pouquinho, a teria deixado casar-se com o Sr. Blamer sem dó nem piedade e, numa hora dessas, ela já estaria fazendo sabe-se lá o que com um homem a quem ela não nutria um pingo de apreço. Não depois do que ele fizera! Estapear uma dama foi muita ousadia sem duvida... E isso levava os pensamentos de Daniela de volta a Afonso.

"Um homem apaixonado carrega a mulher no colo" - lembrou-se da fala do pai. Afonso a tinha carregado no colo, literalmente, duas ou três vezes, mas, supondo que o significado das palavras do pai não deveriam ser interpretadas de modo tão fiel, Daniela teve certeza de que Afonso já a tinha ajudado mais do que pretendia.

Daniela não conhecia um só homem, com exceção de Afonso, que aceitaria se casar de bom grado com a melhor amiga da irmã para salvá-la de um casamento não desejado. Nenhum homem em sã consciência se prenderia a uma mulher sem segunda chance, caso se "arrependesse". Afonso o fizera. Oh, céus! Por que ele o fez? Os pensamentos de Daniela misturavam-se em medo e adoração. Por que mentira para Afonso na carruagem? Por que dissera a ele que não o considerava um amigo? 

-Vamos lá! Seja corajosa e abra essa porta agora mesmo, Daniela Lexfinn! - e riu de si mesma depois de murmurar, porque não era mais Daniela Lexfinn, era Burmingham. Estendeu a mão direita novamente para tocar a maçaneta e, respirando fundo, a girou. A porta se soltou facilmente do encaixe. Deteve-se. Não deveria ter batido primeiro? Não, agora ela já tinha aberto a porta. Pediria licença assim que a fechasse para qualquer que fosse seu destino. Daniela entrou, e, tentando não parecer assustada demais, fechou a porta atrás de si, encostando-se nela como se fosse sua ultima salvação. Dai lembrou-se: - Com licença, senhor, Burmingham. - conseguiu dizer a meia voz, tremendo dos pés a cabeça. Ah! Lamentou internamente sobre como o tom de sua voz soara errado. Medo. Angustia. Talvez sofrimento. Tudo o que Daniela quisera esconder. Ordenando a si mesma que fosse corajosa, ergueu os olhos para procurar Afonso, que ainda não tinha dito uma palavra sequer, para o completo desespero de Daniela. Teria ele se arrependido? Assim que seus olhos encontraram os dele, teve que desviar para que não fosse puxada, com intensidade gigantesca, para seus braços. Daniela soube que ele não tinha se arrependido e a voz grave quando respondeu também a ajudou a confirmar sua quase certeza.

It Was Always You [EM PAUSA PARA REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora