Acordo as sete como de praxe, alimento o gato que encarava debochadamente todos os mini seres humanos que passavam por debaixo da minha janela do apartamento. Penteio meu cabelo e sigo em direção a tortura diária, caminhar até estação e me contorcer em um vagão lotado como de costume.
Ao passar em frente a padaria já sorrio em resposta a seu João que generosamente me cumprimenta com seu sorriso paternal. Viro a esquina já me misturando ao fluxo de pessoas que seguem para a estação de metrô, pessoas monótonas seguindo suas vidas padronizadas, tanto que nem notam minha presença. Na estação de metrô fico parada à espera do trem, que me levará para a faculdade, e mais uma vez observo a massa que se move automaticamente de um lado para o outro quando percebo um garoto desviando seu olhar do meu.
Ele me olhou diferente, ele me olhou diferente dos outros, ou ao menos era aquilo que minha cabeça queria que pensasse. Não que eu goste de comparar ou se reparei muito para as outras pessoas que também estavam lá, eu só sei que quando ele sorriu, quando os cantos de sua maravilhosa boca se ergueram me dando a mais bela visão de seus dentes, meu coração palpitou diferente.
Não diferente comum, como uma palpitação mais elevada causada por um susto ou uma surpresa, mas sim uma palpitação boa, gostosa e quentinha, como eu nunca sentira igual. Nem um outro me faz ter palpitações quentinhas como o garoto do metrô fez.
Fiquei alguns instantes vagando no semblante do seu sorriso até me deparar com seus olhos, ah, seus olhos eram grandes e claros, como canela, e eles eram envolvo em lindos e enormes cílios, e protegidos pelas mais belas, grossas e bem desenhadas sobrancelhas, elas eram tão negras quanto sua barba rala (ou por fazer, nunca saberei), que em minha sincera opinião, deixava seus dentes mais realçados, contudo ela não chamava atenção tanto quanto seu lábio inferior.
Gordo, fofo e aparentemente gostoso de morder. Era a definição de seu lábio inferior rosado/avermelhado e o lábio superior não ficava assim tão longe. Tão apetitosos.
Todas as suas características eram impecáveis dos olhos a seus cabelos escuros que tinham uma aparência de cetim, brilhoso e tão macio quanto, eu imagino. Oh, não sei se é realmente macio. Se eu chegasse mais perto poderia jurar que teria um cheiro refrescante. Mesmo com um rosto de príncipe suas vestes era de alguém que provavelmente passou a noite se enchendo de café e teorias de um livro velho. Ele me parece vaidoso mesmo assim, belo e perigosamente encantador.
"Se ele corre seu cabelo formara belas ondas e eu pararia para observar cada mecha ser formada e depois se desmanchar em encontro com sua pele pálida."
E por fim, ele me olhou diferente, sorriu diferente e meu coração palpitou diferente. Ao chegar ao seu destino o garoto do cabelo de cetim, ajeitou a armação de seus óculos, conferiu o horário em seu relógio de pulso e saiu do vagão em meio a todos os seres que coloquei em segundo plano durante toda viagem. Eu olhei para minha paixonite, e me arrependi de não ter dito que achei seu sorriso lindo ou até mesmo dizer que a capa do seu livro estava amassando dentro da bolsa pela maneira errada que ele provavelmente o guardou.
E lá estava ele, do lado de fora, com o braço erguido me dando um tchau sorridente.
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Nos Trilhos Da Vida
Short StoryO que podemos encontrar em um vagão de trem? Capa By: Cesar Daniel Soares