Capítulo 1 - A cidade no fim do mundo

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Era o começo dos anos 80, quando Marina tinha dezessete anos, era a moça mais bonita da sua pequena cidade esquecida na fronteira do país, com seus cabelos louros e compridos, olhos verdes e sua figura alta e esbelta, um sorriso meigo em um rosto angelical, chamando a atenção quando passava, principalmente, dos rapazes do lugar, que circundavam a sua volta querendo sua atenção. Mas, ela desejava muito mais do que aquela cidade do interior poderia lhe dar, não queria tornar se mulher de um agricultor, passar o resto da vida trabalhando na terra e parindo filhos como sua mãe, sua avó e das outras mulheres das gerações anteriores da sua família fizeram, cujo o destino nunca mudava, ela sonhava com mais, uma vida diferente daquela que estava predestinada. Filha do meio de uma família de sete irmãos, sem contar os outros dois anjinhos, que morreram ainda bebês, completou o ensino fundamental, mas teve que parar, porque para continuar a estudar, só se saísse da sua cidade natal, porém seus pais, pobres agricultores, não tinham condições para pagar por isso.

A cidadezinha pacata, onde nada acontecia e a vida seguia, rotineiramente, monótona, até que ficou mais movimentada, com a instalação de um pequeno batalhão do exército, para defesa da fronteira próxima. Apesar de aqueles serem, ainda, tempos difíceis, onde o medo estava no ar e se devia ter cuidado até do que se pensava, a chegada nos soldados, rapazes jovens e fortes, no auge da sua virilidade, animou tanto o comércio local e dava novas esperanças para as moças solteiras da região, que sonhavam com um casamento, que as tirassem daquele fim de mundo e daquela vidinha tacanha, talvez, até sair dali e ir para uma cidade grande, uma ilusão quase inalcançável. Porém, só algumas poucas delas conseguiram realizar seu sonho de casar com um soldado e ir embora, a maioria só teve um rápido namoro e uma falsa promessa de retorno, e para outras restou apenas uma barriga e a má fama.

Como as outras garotas, sair daquela cidade e daquela vida, também era o sonho de Marina. Ela queria ver o mundo, que só conhecia das poucas revistas antigas que caiam nas suas mãos, cheias os lugares bonitos e distantes e as pessoas bem vestidas, bonitas e elegantes, cuja as vidas eram alegre e despreocupada, porém o dia-a-dia dela consistia em ajudar a mãe com a pequena acanhada casa de madeira, onde a família se apertava, construída pelo seu avô, e cuidar dos irmãos menores, alimentar as galinhas e os porcos, trabalhar na lavoura, com o pai e os irmãos mais velhos, de onde a família tirava o sustento, estava presa naquela sina sem fim. Vez ou outra tinha uma missa de domingo, uma festa de casamento ou um enterro para quebrar a monotonia, ainda, havia as festas dos dias santos, quando a praça da igreja se enchia de barraquinhas e as moças desfilavam, faceiras, com seus vestidos mais bonitos, para serem admiradas pelos rapazes.

Mas o que Marina invejava era o seu irmão mais velho, que toda manhã, fazia as entregas de bicicleta, das hortaliças, produzidas na horta da família, nas casas de alguns fregueses e no armazém na cidade, assim fugia da lida matutina da lavoura. No entanto, o destino dela deu uma guinada, quando ele voltava para casa e desviou de um cachorro na estrada, passou em um buraco, perdeu o equilíbrio e caiu, quebrando a perna. Nenhum dos outros irmãos sabia andar naquela bicicleta velha e pesada ou era forte o bastante para pedalar por tanto tempo, por isso, coube a Marina essa função, assim ficou feliz, porque poderia ir à cidade todos os dias, saber das novidades e não precisaria trabalhar na horta da família. A partir daí todas as manhãs, bem cedinho, seu pai e seus irmãos colhiam as hortaliças e legumes maduros, enchiam o grande cesto vime, preso na bicicleta, e Marina saía para fazer sua rota diária de entregas, com a recomendação, que a primeira casa a ser visitada, deveria ser sempre a do comandante do batalhão, onde a cozinheira escolhia as melhores hortaliças e legumes para as refeições dele.

Desde de sua chegada para comandar o batalhão, o major Álvaro se tornara um mito na cidade, alto, forte, na casa dos quarenta, de cabelos pretos com onde  surgiam alguns fios brancos nas têmporas, veio sozinho, não havia trazido nenhuma esposa com ele, corria o boato que era viúvo, e por isso, tornou-se a esperança das moças e mulher solteiras e viúvas da região, mas ele era bastante reservado, apesar de educado, apenas se limitava aos cumprimentos formais,  nunca dando intimidade a ninguém, tinha hábitos rígidos e metódicos, não admitia erros ou desobediências, qualquer um deles era punido com rigor, então se criou uma áurea de medo e respeito ao seu redor, era temido naquela cidade.

Então, naquela manhã, como de hábito, Marina parou sua bicicleta encostada no muro, entrou pela porta dos fundos da casa do comandante, que estava sempre aberta, trazia os mais belos pés de alface na mão.

- Bom dia, Miguelina! Estes sãos os mais bonitos do dia – disse Marina, sorridente, colocando-os sobre a bancada da cozinha, como fazia todos os dias, apesar de ter um certo receio do comandante, sabia que ele nunca estava por ali, naquela hora.

Miguelina era a atual cozinheira do major, a que havia permanecido por mais tempo, após uma longa lista de antecessoras.

-  Bom dia, Marina. O que você tem mais aí? – Era a pergunta de todo dia, pois o Major era muito exigente na sua dieta e ao preparo de suas refeições.

- Hoje, tem rúcula, radiche, algumas cenouras bem bonitas – Marina listava o que tinha de melhor para agradar o freguês exigente, mas bom pagador.

- Quero um pouco de tudo – Miguelina pediu.

- Vou pegar! – Marina exclamou, feliz, pois já tinha uma boa venda garantida, com uma graciosa volta, correu para o quintal, onde havia deixado a bicicleta carregada de verduras. Escolheu o que estava melhor, voltou apressada, entrando na cozinha, despreocupada, com os braços carregados.

- Está tudo aqui, Miguelina! - Falou, animada, mas se assustou, quase soltou as hortaliças no chão, ao ver o comandante de uniforme no meio da cozinha e Miguelina com cara de aflição.

- E você quem é? – Ele perguntou, com a voz grave e forte, empertigado, as mãos para trás, a olhando com extrema atenção, Marina ficou paralisada na soleira da porta, com coração em pulos.

- Bom dia, comandante. Só estou entregando as verduras – Ela respondeu em voz baixa, com os olhos fixo nas verduras, que levava nos seus braços, sem coragem de fitá-lo. Ele a observou de alto a baixo, com seus frios olhos azuis a examinando com interesse, em seguida, sem dizer nada, se virou e saiu pela porta, que dava para dentro da casa.

O coração de Marina começou a se acalmar, sabia que não precisa ficar assim, pois não estava fazendo nada de errado, contudo era mais forte do que ela, quando Miguelina tirou as hortaliças de suas mãos.

- Até amanhã, Marina. Vá agora! – Miguelina se despediu, sobressaltada, quase a empurrando porta a fora.

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⏰ Última atualização: Jun 06, 2016 ⏰

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