Voltaste

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Voltaste. Falamos a noite toda. No fim, fizemos o que sempre fazíamos: adormecemos em chamada; com a desculpa "só hoje". Relembramos tudo o que passamos, bom e mau; com a desculpa "só hoje". Combinamos trocar umas mensagens de vez em quando mas recusas-te a falar todos os dias. Combinamos ajudar-nos a ultrapassar mas ainda não suportas estar comigo. Fizeste-me prometer que não tentava nada contigo e eu fiz-te prometer o mesmo. Concordámos: é impossível voltar. Para além do passado, tornei-me uma pessoa diferente e talvez agora não encaixe contigo. Disseste que te recusavas que eu fosse a pessoa que amaste mais; que eu não era a tal. Isso doeu como se me tivesses arrancado todos os órgãos ao mesmo tempo. Não digo que vamos acabar juntos outra vez porque por muito que ainda te ame, não me posso permitir sofrer daquela forma outra vez. Sim, eu ainda te amo, menti. Perguntaste se eu já te tinha esquecido porque não querias que eu sofresse, tens medo que o facto de falarmos desperte de novo sentimentos em ambos mas a verdade é que eu já os tenho; eu ainda os tenho. Não sou burra, sei que sentiste algo a falar comigo, sei que gostaste de relembrar o nosso amor e que te doeu de saudades. "Dorme bem, princesa", "Dorme bem, anjinho": assim nos despedimos com a desculpa "só hoje". "Só hoje"... Apenas hoje... Mas na verdade repetimos esta despedida todas as noites durante o ano e meio que estivemos juntos. Durante o ano e meio em que eu me perdi; o ano e meio em que eu te amava mas queria que percebesses que não me completavas; o ano e meio em que tive o tal e quis que ele fosse embora simplesmente para me sentir completa, para sentir que fico bem sozinha. Sozinha. Eu estou muito bem sozinha agora. Tenho os meus amigos, não preciso de rapazes com segundas intenções, dou valor a mim própria e recuso-me entregar-me a uma pessoa que ame menos do que te amei a ti. Mas hoje tu chegaste. E só hoje estragaste tudo o que conquistei. Só hoje eu já não quero estar sozinha. Quero que venhas e passes a noite comigo. Tu queres o mesmo, eu sei. E assim foi, passamos a noite agarrados a um telemóvel como dantes, partilhamos novidades, histórias que aconteceram durante estes meses de separação, boas e más... Mas tudo se resume a medo. Medo de voltar a sentir algo. Sei que tens esse medo porque sentiste algo. Porque o "dorme bem, princesa" ficou incompleto sem o nosso beijo. Porque finalizaste o teu discurso com "as pequenas coisas são as que custam mais a esquecer". As nossas pequenas brincadeiras e os lanches que preparávamos, as vezes em que te limpava as orelhas e fazia a barba e quando me obrigavas a comer. "Posso continuar a obrigar", ficou combinado que falávamos e tinhas a função de me obrigar a comer. Lembraste-me da tua mãe e das vezes que ela me obrigava a comer. Disseste-me que levaste aí a jantar a pessoa que tiveste depois de mim e que a tua mãe lhe trocou o nome com o meu a noite toda. Lamento. Ou então não. O meu nome é bastante giro e sou muito respeitada em tua casa, por isso até fico feliz por ela. Sete horas da manhã despedimos-nos pela última vez. "Dorme bem, princesa", "Dorme bem, anjinho" e adormecemos enquanto cantas para mim "só hoje".

Acordei. Muito sobressaltada lembro-me da nossa conversa e procuro o telemóvel para ver se essa conversa existiu mesmo. Existiu ! E agora um conjunto de emoções... Escrevo isto e não sei o que sentir, não sei o que fazer. Espero por ti "só hoje" outra vez.

Anseio Por TiOnde histórias criam vida. Descubra agora