"Tenho fases, como a Lua; fases de ser sozinha, fases de ser só sua."

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Bem, sei disso! Exclamou a Lua, não sei se vocês se lembram, mas houve uma vez em que estive na Terra. Mas antes disso, vi muitos casais se formarem e desfazerem, mas um em especial me marcou. Era noite de lua cheia, quando vi uma menina sentada em um banco na praça, ela olhava para mim e enquanto explicava toda a situação, chorava e me pedia uma solução. Mas em um determinado momento, fiquei intrigada por não consegui ouvir sua história. Então busquei meios para tentar descobrir! E assim decidi conversar com Isis a respeito disto... Contei a ela que por diversas vezes essa menina sentava no mesmo banco, de frente para um pequeno lago em uma praça e desabafava comigo, mas que em determinados momentos, eu não conseguia ouvi-la. Isis então me aconselhou a descer no lago na minha fase minguante, pois não posso abandonar o meu posto. E assim fiz, quando entrei na minha fase minguante decidi descer no lago, pois era onde eu refletia todas as noites. De inicio comecei a observar essa menina de longe, mas decidi que se queria saber o que tanto ela me dizia e que às vezes eu não conseguia ouvir, teria que me aproximar e assim fiz. Vi que ela estava chorando, aproximei-me e perguntei - "Moça, desculpe está intrometendo, mas você está bem?" -, a mesma que continuava chorando, se assustou, mas disse que estava bem... Então, sentei ao seu lado e comecei a falar - "Sabe, nem tudo precisa ser fácil e difícil... Mas tudo que passamos na vida são experiências que precisamos adquirir! Você não precisa ficar sofrendo por uma coisa do passado e nem triste, extraia somente o que você pode tirar de lição e jogue o resto fora." - quando terminei de falar, ela suspirou e disse - "Desculpa, não estou acostumada com ninguém se preocupando com os meus problemas... Meu nome é Alice, qual o seu?" - fiquei feliz por descobri o nome dela, e principalmente por ela aceitar conversar comigo, apresentei-me como Luna para ela, afinal, não podia dizer que eu era a lua para quem todas as noites ela desabafava. Fiquei preocupada com a Alice e comecei a conversar com ela - "Você está sofrendo por amor? Não se preocupe todos nós um dia passamos por algo do tipo. Mas igual te disse, precisamos extrair o que foi bom e jogar o resto no lixo. Não chore por um amor, afinal, se ele foi embora, era porque não era pra ficar... Logo alguém irá entrar na sua vida e consertar esse vazio no seu coração e te fazer feliz." - quando terminei de falar, Alice estava prestando atenção no que eu havia dito, e então logo começou - "Não é nada disso! Não sei exatamente como te contar, pois assim como tenho medo da reação das pessoas, tenho medo da sua reação, afinal nem te conheço direito." - nesse momento, percebi que ela precisava da minha ajuda, e não de julgamentos... Então decidi dar meu apoio àquela menina que era jovem e tinha confusões - "Alice, não precisa ter medo! Se vim aqui saber como você estava, foi porque me preocupei... Diga, estou te ouvindo e farei de tudo para lhe ajudar" - pude perceber o receio nos olhos de Alice, então decidi me aproximar mais e pegar na sua mão para tentar encoraja-la a me dizer o que tanto te agoniava. Ela percebendo o meu toque, sorriu e começou a dizer - "Nunca tive ninguém que se preocupasse comigo igual você está preocupando... Irei lhe contar o que tanto me incomoda! Vejo todos os meus amigos e amigas se apaixonando por pessoas do sexo oposto... Vejo todos felizes por suas escolhas... E também percebo que eles tentam arrumar namorados para mim... Mas a verdade é que não me sinto atraída por homens! Comecei a perceber que mulheres me atraem e que nunca tive interesse de envolver com homem nenhum. Mas tenho medo de contar para todos e me julgarem pela minha escolha... Vão dizer que estou confusa, afinal estou com os hormônios à flor da pele. Mas sei o que quero, e isso não inclui nenhum menino." - quando a mesma terminou, decidi falar - "Se você sabe o que está sentindo, qual o problema?" - Alice me contou que todo o problema era a sua família e que tinha medo de assumir para os seus pais e, embora nunca tivesse presenciado nenhum preconceito da parte deles, tinha medo deles não aceitarem quem ela é. A conversa se desenrolou por toda a noite e logo que os primeiros raios de sol apareceram, percebi que precisava partir. Despedi-me de Alice e voltei a minha forma natural. Várias noites se passaram e não pude vê-la. Cresci, enchi e minguei e quando era nova, finalmente pude voltar à praça na esperança de encontra-la. Meus olhos brilharam ao ver a garota sentada no mesmo banco, olhando fixamente para o pequeno lago central. - "Sinto falta de ver a lua refletida aqui... Tudo parece mais sombrio sem ela." - Ela disse assim que me viu. - "Você gosta da lua, Luna?" - estremeci quando seus olhos encontraram os meus e sorri, sem coragem para responder. - "Por onde esteve todos esses dias? Senti sua falta.", ela continuou quando sentei ao seu lado. Inventei qualquer desculpa que justificasse meu sumiço e perguntei como ela estava. Não queria falar de mim, já que ainda não havia inventado uma história para meu eu humano. Conversamos durante um bom tempo, e conheci bastante sobre a vida da Alice. Ela me contou sobre a sua experiência escolar e o seu ódio por certas matérias e o amor incomparável por outras. Contou-me também seus hobbies e histórias engraçadas do seu dia-a-dia. Então o assunto voltou a ser minha vida. Nervosa e sem saber o que dizer, convidei-a para caminhar. Como era noite, as ruas eram vazias e tranquilas. Podia ouvir sua bela voz sem qualquer interferência. Conversamos mais um pouco sobre ela e finalmente decidi contar a Alice um pouco de mim. Falei da minha paixão por observar o mundo do alto e do velho habito de examinar desconhecidos, o que me fazia sempre querer ajudar alguém. A curiosidade de Alice aumentava a cada palavra minha, o que me obrigava a mudar de assunto sempre que acabava falando demais. Mas pouco funcionou. Percebi que ela estava ficando intrigada e decidi soltar alguns detalhes da minha existência. Alice era uma boa ouvinte e ria de muito do que eu contava. Já clareava quando voltamos à praça e enquanto eu pensava em me despedir, ela me fitou seria e perguntou num tom ansioso - "Luna, quando eu disse que gostava de meninas, por que você não se afastou de mim? A maioria das pessoas se afastaria!" - Toquei suas mãos em silêncio e deixei que meus olhos examinassem seu rosto enquanto procurava alguma resposta. Pequenas sardas salpicavam a pele e uma cicatriz a deixavam ainda mais encantadora. Percebi que nossos rostos se aproximavam e hesitei por um instante. Ela sorriu com os olhos e logo desisti de me conter. Trouxe seu corpo para junto do meu e a beijei. Desejei que aquele momento durasse toda eternidade, mas logo senti o calor do dia tocar meu rosto e lembrei quem era. Afastei-me rapidamente e pedi desculpa a Alice, inventando uma desculpa para partir. Ainda a senti me olhando enquanto fugia, porém não tive coragem para olhar para trás. Passei noites pensando sobre o ocorrido e sem coragem de voltar a terra e ver Alice. Desde quando a lua tem direito de se apaixonar? Certa noite, concluí que não podia mais esconder. A observei sentada na praça por algum tempo e no meio da noite criei coragem para descer. Ela sorriu quando me viu antes que pudesse dizer algo já comecei o discurso de desculpas que havia ensaiado. O sorriso dela se alargou e me calei. Ela estava debochando de mim? Antes que pudesse perguntar, vi seu rosto de aproximar e logo pude sentir seus lábios tocarem os meus. Não sei por quanto tempo nos beijamos, mas quando ela se afastou notou a interrogação no meu olhar. - "Eu fiquei te esperando por todos esses dias, mas você não apareceu... Tinha tanto a dizer e você sumiu! Achei que nunca mais fosse te ver." - Fiquei sem palavras e ela continuou. - "Mas agora você está aqui e espero que nunca mais se vá!" - Suas palavras caíram sobre mim como um tapa da realidade. Nós não podíamos ficar juntas. Era impossível abandonar meu posto e inadmissível me apaixonar por uma terrestre. Finalmente decidi contar a ela toda a verdade - "Isso está errado! Tem algo sobre mim que você não sabe... Na verdade tudo sobre mim! Te observo à muito tempo e você também me conhece, também me observa. Por muito tempo te vi chorando, pedindo uma solução para os seus problemas... Por isso decidi vir até você! Sou aquela que ilumina as suas noites e te escuta sempre que você precisa. Sou a Lua." - Alice me olhava sem esboçar qualquer reação. Depois de alguns minutos de silêncio, começou a rir. - "Mas isso é impossível! Como você pode ser a lua e estar aqui, falando comigo?" - me aproximei silenciosamente do lago e me deixei refletir na água, deixando-a prateada. Alice vacilou visivelmente assustada. - "Como isso é possível?" - "Simplesmente sendo." - respondi. Ela tocou meu rosto com as pontas dos dedos. Fechei meus olhos, mas ainda conseguia vê-la, duvidosa, anestesiada, ainda sem crer no que eu havia dito. Parecia dividida entre o completo medo e a completa incredulidade. Quando finalmente sorriu, não me contive e a abracei em silêncio. - "Isso tudo parece tão irreal na minha cabeça. Mas o que sinto por você também é" - ela sussurrou - "e mesmo assim eu sinto. O improvável me consome toda vez que te vejo. Te amo desde o primeiro olhar ou talvez até antes." - Alice parecia não notar o abismo que nos separava. Me afastei e olhei em seus olhos, tentando explicar o quão terrível era nossa condição - "Você não entende, isso é impossível. Não sou daqui, não sou humana. Não posso ficar." - "Quem liga?" - ela logo respondeu. - "Você pode não estar aqui, mas sei que sempre estará por perto. Só precisa prometer que vai voltar." - Gaguejei. Devia negar partir e nunca mais voltar, mas algo em mim queria estar perto dela. A luz do dia se aproximava quando finalmente assenti, prometendo voltar. Alice me abraçou em silêncio, despedindo-se. - "Sei que precisa ir agora, mas nos vemos ao anoitecer, não é?" - não nos veríamos. Na verdade, fora a última noite de lua nova e eu deveria voltar logo ao meu posto. Porém era difícil demais contar isso a ela e então simplesmente concordei e parti. Mais tarde pude vê-la, sentada no mesmo lugar, mas diferente das noites anteriores, ela olhava para todos os lados procurando-me. Desejei estar com ela e deixei por alguns instantes que meu brilho refletisse na água intensamente, como nas noites de lua cheia. Logo a vi sorrir, olhando para o céu. Ela tinha razão, afinal. Eu sempre estaria por perto.



A DISTÂNCIA DA TERRAWhere stories live. Discover now