Curupira.

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As folhas lhe cortaram o rosto, talvez tentando impedir que ela continuasse a mergulhar na densa floresta, talvez pedindo que ela voltasse aos pais, talvez e talvez e talvez e milhares de outros "talvez" que a cabeça de Amanda não conseguiam mais formular. A garota mirrada, de cabelos escuros e olhos claros chorava, tinha os pés cobertos por meias, mas nus de sapatos. Tinha o vestido desconfortável sendo rasgado, o corpete lhe roubando o ar e a pele salpicada de seu próprio sangue.

Na mente, as perguntas, o medo, a tristeza.

Tristeza amarga que seguia os traídos pelo amor. Aquele que chegava em casa ao anoitecer, vestido com roupas de qualidade mediana, mas o melhor sorriso que alguém poderia ter. Aquele que abriria a porta com felicidade por ter a amada em casa, aquele que agarraria o herdeiro pequeno e espoleta. Ele, que esteve em seus sonhos, por quem esteve enamorada, sumiu com uma porção de dinheiro que os futuros sogros atocharam em seus bolsos.

As lágrimas caíram enquanto as forças jorravam para fora do corpo de Amanda. Ela tinha planejado fugir com o amado. Tinha planejado não abraçar o destino de se casar com um viúvo décadas mais velho, mas que lhe devorava o corpo como se fosse um pedaço de carna mal passada.

Não vou voltar.

Estava decidida, pronta para morrer pelas garras das árvores, o ardor da fome ou dentes de um animal qualquer. Pronta para entregar a própria vida como um presente para o Curupira, o guardião da floresta. Amanda estava pronta para morrer, mas nunca estaria pronta para ser a esposa de um velho rabugento, egocêntrico e imensuravelmente mal.

- És muito nova para invadir minha casa, pequena moça.

A invasora da floresta tropeçou em um galho, os nervos a flor da pele lhe fizeram saltar ao escutar a voz grave, mas também macia, que surgiu como o sopro do vento. Os joelhos se relaram junto com o peito do pé e as palmas da mão. Surgiu um corte na bochecha, um gemido de dor e um ofegar regido pelos suaves dedos do pânico.

- Está assustada e não traz o meu presente.

Amanda agarrou um punhado de terra, ergueu o rosto, olhou a sua volta. Estava contornada por pegadas que iam para fora da floresta, mas também via algumas outras que mergulhavam mais e mais na mata densa.

- Venho perdendo animais e árvores como o gelo perde o frescor em um dia de verão escaldante. - A voz que vinha de todos os cantos, passou a ser acompanhada pelos cascos de um animal pesado. - Não posso me dar ao luxo de permitir que alguém aqui entre, sem provar que merece sair.

Os nervos de uma mulher tendem a estourar com fragilidade, mas o de uma criança tende a se tornar mais forte quando seu espírito desbravador, ainda deseja conhecer mais e mais coisas. Amanda, por sorte, ainda era uma criança que se agarrou ao amor como se sua vida dependesse, apenas daquilo. Ela se sentou contra a terra úmida, não preocupou-se com os machucados que latejavam e nem com as roupas caras que se sujavam. Também não ligou para a cobra que passou deslizando por seus pés, para a aranha que saltou da árvore e usou os cabelos negros como teia. Não importou-se com os animais que passaram por perto, prontos para destruir a invasora, mas domados pelo guardião da floresta que ainda queria saber mais sobre Amanda.

- O senhor é o Curupira, não é? - A voz falhou um pouco antes de sair, um soluço afogou um pedaço da palavra. - O senhor é o guardião da floresta, não é?

Amanda percebeu que tremia. Percebeu que tinha o coração aquecido e disparado, como se estivesse perto de alguém que muito admirava.

- Então, a senhorita me conhece?

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