Parvati suspira de felicidade, estendendo algumas palavras com seu característico brilho dourado sobre o leito da Inspiração. Ela está moldando algumas reticências com gestos suaves das mãos cheias de pulseiras de pedras e contas translúcidas quando Ana cai de forma desajeitada ao seu lado, espantando alguns pássaros amarelos que gorjeavam sua melodia sobre a grama verde esmeralda.
— Ai, céus — a garota resmunga, olhando para os pássaros graciosos ao seu redor, parecendo não se importar com o cabelo rosa agora bagunçado, mais se assemelhando a um algodão doce.
— Olá — diz Parvati, com um quê de surpresa nos olhos calmos cor de âmbar — De onde você veio?
— Onde estamos? — replica a outra, se levantando e expressando estranhamento ao ambiente à sua volta enquanto alisa a saia do vestido branco diáfano, quase élfico.
— Ora, que pergunta — fala Parvati, rindo — Estamos no Universo, no Wattpad, na Mãe de Todas as Terras, onde mais?
— Eu sabia que não deveria ter aceitado aquele último pedaço de bolo... Mas agora já está demais — comenta Ana, revirando os olhos — Onde quer que estejamos, esse lugar é muito bonito. Você é daqui?
— Bolo? Com o perdão de estar sendo insistente, estrangeira, de que universo vens, para conhecer tão rara iguaria?
— Planeta Terra, primeiro e último de seu nome, atualmente conhecido como Mundo das Almas Perdidas, doce amiga — diz a garota, irônica, fazendo uma mesura.
— Ah! Então você veio colocar mais uma estrela... Mas tão fora de época? Ainda não estamos na primavera — murmura, franzindo as sobrancelhas delicadamente, sem compreender a ironia na voz da outra — Todo merecedor do prêmio que a Mãe das Terras nos dá, o Wattys, tem direito a uma estrela em nossa via láctea — explica Parvati — Andam tão jovens e tão brilhantes... Quantos anos tem, para agradar o Universo já tão nova?
— Mas eu não ganhei Wattys nenhum — replica Ana, maravilhada com uma árvore de maçãs grandes e vítreas como as dos contos de fada — Estava apenas escrevendo um poema quando vim parar nesse... Lugar. Talvez eu tenha adormecido e esteja sonhando, na verdade. É o mais aceitável.
— Criança, em todos os anos que estive aqui quando um habitante do Mundo das Almas Perdidas chegou ao Universo, nenhum deles veio de outro lugar senão da beira do leito da Inspiração. E nenhum veio para nada mais além da estrela do Wattys.
— Também não entendo — as duas começam a caminhar sobre a relva, descalças — Wattpad é a plataforma onde publico meus contos, e só. Claro que lá, quero dizer, aqui — Ana se corrige perante um olhar de Parvati — todos ambicionam um Wattys ou uma premiação de algum desafio... Mas, como já disse, eu só escrevia um poema que sequer pensava em publicar. O julgamento alheio pode ser cruel — finaliza, encolhendo os ombros e sussurrando as últimas palavras.
— Wattpad não é uma plataforma, Ana — explica Parvati, e no instante em que seus pés vacilam ambas estão em outro cenário, uma floresta tropical cheia de vida com o ar denso de palavras flutuantes em verde escuro — Ele é uma energia, um Universo, a Mãe das Terras imaginadas pelos habitantes do Mundo das Almas Perdidas. É um cosmos em constante mutação, uma árvora que vocês escalam enquanto nós aqui tecemos seus galhos e folhas.
— Vocês podem mudar o rumo de tudo? Cada história, cada palavra, seja ela boa ou ruim? — Ana arregala os olhos, colocando uma mecha de cabelo rosa atrás da orelha enquanto as palavras do ar se retorcem em uma coroa delicada em torno de sua cabeça.
— Mas é claro — Parvati sorri, esfregando uma de suas contas de âmbar entre os dedos — Aqui estamos num típico colégio americano — diz ela, mostrando uma cena congelada onde um triângulo amoroso parece se formar — Parece bem popular no seu mundo atualmente.
— Prefiro outros locais — fala Ana, em tom de desculpas, enquanto retira da cabeça o boné no qual sua coroa de palavras se transformou, fechando os olhos com força.
— Ah, as possibilidades — constata, lançando uma teia de palavras douradas em direção a um enorme livro alaranjado sobre o chão — Terra perigosa, perfeita para os exploradores e aventureiros. É aqui onde entendemos a real dimensão do Universo, menina.
— Elas são as minhas preferidas — comenta Ana, sorrindo diante do fluxo de palavras mais intenso que já tinha se desvelado diante das duas — É a genialidade em meio ao perfeito caos.
— Ana, você realmente veio do Mundo das Almas Perdidas? — pergunta Parvati, sorrindo — Aprende rápido para quem é daquele local desnorteante.
— Meu coração sempre morou aqui — a garota ri de sua própria piada, sem perceber o vestido etéreo e branco escurecendo e escurecendo, até ter o mesmo tom do céu de uma noite sem lua ou estrelas. Antes que sua imagem se desvanecesse, acordando abruptamente de um sonho deveras peculiar, Parvati dá um passo a frente, tocando seu rosto.
— Isto não é um sonho, Ana — a elfa sorri uma última vez — Vai e espalha amor para as Almas Perdidas, que a sua já se encontra aqui.
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Isto Não É Um Sonho
Short StoryPequeno conto escrito para a pré seleção da Copa de Contos, do @ContosBr ❤️ (capa pela queen dos barracos @rebecaxvr)