Prólogo 3

17 1 0
                                    

- Sua agenda para hoje, senador Murillo, inclui uma reunião com as lideranças dos partidos aliados do governo, às 10h, e um almoço com o vice-presidente Ouvides, às 13h, no Palácio do Jaburu. - recitou Laís, enquanto andavam pelos corredores do senado em direção ao seu gabinete. Hoje seria um dia importante. Nunca havia sido chamado para conhecer a residência oficial do vice-presidente e, só isso, já era motivo de empolgação.

- Depois da reunião com as lideranças, eu quero que você prepare a ata e envie para todos os assessores dos presidentes de partido que estarão nessa reunião - disse à sua secretária e recebeu, em resposta, um aceno positivo de cabeça.

- Qual o objetivo? - perguntou a assistente.

- Eu quero deixar tudo muito bem amarrado, Laís. Lembre-se que isso aqui é o Senado. Temos que ser cautelosos sem sermos precavidos demais, senão eles se assustam e acham que vamos usar isso contra eles no futuro. A ideia é colocar todo mundo no mesmo balaio e conseguir o apoio da maioria. - disse o senador, encerrando a pauta enquanto entrava em sua sala, fechando a porta atrás de si. Às vezes, sentia-se cansado por ter que explicar tudo para Laís. Admirava-se por ela ainda não ter entendido os mecanismos de funcionamento do senado.

Afundou seu corpo na cadeira de costas altas, comprada com a sua verba de gabinete. Lembrou-se de seu tempo como vereador na pequena cidade de Mafra, no interior do Paraná. Havia trilhado uma longa jornada até conseguir se tornar senador. Mas não foi por acaso que isso aconteceu. Gostava de contabilizar a sua vitória "1,2 milhão de votos", costumava recitar em seus discursos para os pares. Um dos maiores resultados da história do seu partido, o Partido da Mobilização Democrática da República. Agora já começava a se preocupar com o fim do seu mandato. Estava entrando no sexto ano, dos oito que deveria cumprir, e precisava articular seus próximos passos: sua candidatura à presidência da República. Seu almoço de hoje era para discutir os planos com o Vice-Presidente da República, que deveria apoiá-lo, já que são do mesmo partido, consolidando assim suas intenções. Mas ele ainda não tinha certeza disso.

Todas as argumentações já haviam sido feitas, hoje seria o dia da verdade.

- É hoje que vou me encontrar com o Ouvides. - disse Murillo ao telefone e a preocupação em sua voz era perceptível a quilômetros de distância. - Você não está entendendo Forcato, seremos eu e ele no encontro. É tudo o que eu não queria. Se fosse pra me dizer que eu serei o candidato, ele não teria marcado a porra da reunião lá no Jaburu, só eu e ele e, ainda por cima, depois da minha reunião com as lideranças!

- Mas que calma? É claro que eu tô preparado, mas isso só quer dizer uma coisa: eu não serei o candidato do partido! Tá bom. Tá, eu te ligo. Mas já vai preparando o plano B. Eu não perco essa candidatura nem fodendo!

Simultaneamente ao fim da conversa, alguém estava batendo à sua porta.

- O que é? - gritou ele, sem esconder sua irritação.

- Senador - disse Laís, abrindo a porta - o Procurador da República, Dr. Guilherme, quer trocar uma palavrinha com o Senhor.

- Ele tá aí? - pergunta Murillo ajeitando a gravata. - Manda ele entrar. - complementou, já se levantando.

Deu uma breve olhada ao redor do seu gabinete. "Um grande gabinete", pensou. Passou a mão suavemente sobre a imponente mesa de jacarandá, como aquelas que podiam ser vistas no escritório de advocacia do seu pai, um renomado advogado de Curitiba. Mandou fazê-la igual à que ficava na sala do seu pai, assim como a estante atrás de si - e seus livros de direito. Deu um passo para o lado, para aguardar pelo promotor ao lado de sua cadeira. Repousou a mão sobre o encosto e, logo em seguida, a colocou no bolso da calça e dirigiu-se para perto da porta. Sentiu que pareceria mais baixo do que era, graças ao encosto extremamente alto.

Enquanto caminhava para a porta, passou os olhos sobre os diplomas e homenagens recebidos ao longo da carreira, posicionados na parede à sua esquerda, sobre o sofá, Perguntou-se se Guilherme notaria isso.

- Digníssimo senador! - exclama Guilherme, entrando já com a mão estendida para Murillo, que retribuiu o cumprimento à altura:

- Excelentíssimo procurador! Por favor, sente-se. - apontou para o sofá, de maneira que ambos ficassem em alturas semelhantes. Era um sinal para Guilherme de que, ali, eram iguais. - O que o traz ao meu gabinete? - continuou curioso e, ao mesmo tempo, preocupado com a visita, tentando não transparecer nada disso em suas palavras, afinal Guilherme Pereira Nunes era Procurador-Geral da República e o homem por trás das últimas grandes investigações da Polícia Federal contra a corrupção. Era famoso por garantir a condenação de parlamentares, sempre de olho na opinião pública e imune às pressões do governo. Era evidente que precisava tomar cuidado com suas palavras.

- Senador, eu vou direto ao assunto. - disse Guilherme enquanto desabotoava seu paletó, displicentemente, para sentar-se no sofá. - Sei que terá um encontro com o vice-presidente hoje. Acho que não vai gostar do que ouvirá dele. - Murillo realmente não esperava por isso.

Por um breve momento, achou que o promotor estava ali para perguntar-lhe sobre algum parlamentar, questões sobre algum caso que estivesse investigando. Não conseguiu evitar que seus olhos se arregalassem, mesmo que por um breve instante. Estava surpreso de verdade e o sorriso no rosto do promotor o incomodou. Antes que dissesse qualquer coisa, Guilherme continuou:

- Eu vim até aqui propor-lhe uma alternativa para o que ouvirá hoje. - nesse momento, Murillo percebeu que não eram iguais.

A Mentira em Seus OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora