Scars

112 10 3
                                    


A leve brisa arrepiou lhe os pelos da nuca. A moça engoliu em seco antes de conseguir formular algo, sua mente estava nublada, entorpecida, o que ele estava dizendo?

_ Você não me quer mais? - as palavras saíram tão baixas que mal passaram de um sussurro. O silêncio era tão massacrante que Demétria chegou a duvidar que o tinha quebrado. Um suspiro profundo foi o único indício de som vindo dele, e então o silêncio torturante voltou a pairar.

Por um instante, ela permitiu-se acreditar que era apenas um sonho ruim, ela iria acordar em breve, no conforto dos braços dele, eles iriam passar o dia rindo um do outro e planejando o futuro... Lovato quase chegou a sorrir, mas foi interrompida pelo homem.

_ Eu não sou o que você quer. - sua voz era baixa, ressentida, quase esmagada, e ela se odiou por isso. - Eu não posso ser o que você precisa que eu seja, eu não posso cuidar de você, eu nem mesmo pude evitar isso. - disse, enquanto apontava para os cortes recentes logo acima das tatuagens nos pulsos da garota.

E qualquer indício de sorriso morreu. Ele a estava deixando, como todos os outros e ela não podia culpar a ninguém além de si mesma. Ela fez o que pode para esconder os sinais, a insatisfação com seu corpo, a angustia que consumia sua mente o tempo todo, as vozes em sua cabeça... Foi, sem duvida, sua maior atuação; a grande Demi Lovato enganou a todos, sua família, seus amigos, seus fãs, o amor da sua vida. Sempre colocando uma máscara de felicidade e confiança que não existia, sorrindo pra todos, fingindo ser alguem que não era. Que patético.

De certa forma, a mulher nem sabia em qual momento ela realmente tinha chegado aquele ponto. Talvez em um dos últimos photoshops que tinha feito, Lovato ponderou. Eles tinham editado sua foto na capa por não a acharem magra o suficiente. Ela vomitou naquela noite. E em quase todas as outras que se seguiram. A mulher lembrou-se claramente da sensação do álcool nos lábios depois de quatro anos, o ardor conhecido, a adrenalina correndo nas veias. Mas Demétria se lembrava com exatidão daquele dia, ou melhor daquela noite. Ela saiu antes mesmo do início do evento, depois de ser humilhada por sua ex melhor amiga e suas seguidoras. Tudo tão rápido, tão cruel. Selena agarrou seu braço quando ela passava pelo corredor.

_ Você não deveria estar aqui, você não merece estar entre essas pessoas. O que você quer, dar um vexame aqui? Você é louca Demétria, não pode ficar entre pessoas normais.
_ Por que não vai pra casa se cortar? É o que você faz de melhor. - Taylor exclamou entre risos.
_ Todo esse teatrinho de sou bipolar, por favor, prestem atenção em mim, comprem o meu CD. Você é patética. - a voz de Gigi Haddid ecoou por de traz dela.
_ pra casa, doente, eu tenho vergonha de ser vista com você...

E ela parou no primeiro bar no caminho para casa. Porém, os cortes, esses eram recentes. No mesmo dia em que sua mimaw faleceu. Quando o peso do mundo caiu sobre ela. E Lovato sabia que as laminas seriam seu único consolo, seu único alívio.

A mulher ficou tão imersa em seus pensamentos que quase se esqueceu da presença do homem na sala, até que este pigarreou e ela se viu obrigada a falar.

_ Há algo que eu possa fazer? - a resposta foi metódica, vaga, assim como ela se sentia. O mesmo estado de torpor que ela sentia a dias, meses, a mesma falta de expressão no olhar, o mesmo abismo de anos atrás.

_ Eu sempre vou amar você, Demi. Mesmo que eu viva mil vidas, meu coração sempre vai bater pelo seu. - O homem disse tristemente e se aproximou envolvendo-a delicadamente em um abraço.
_ Mas você precisa de ajuda, de alguém que possa dar te dar tudo aquilo que você merece... E eu não posso fazer isso. Eu sinto muito.

_ Podemos, ao menos, ser amigos? - questionou, fitando-o nos olhos.

_ Eu não sei se sou forte o bastante para ser apenas amigo do amor da minha vida. - ele tentou brincar, mas o sorriso triste e a voz embargada demonstravam o quão doloroso era proferir tais palavras.

_ Eu te amo. - foi a única coisa que ela pode dizer. E era verdade. Ela queria chorar, gritar, implorar pra que ele não fosse, implorar pra que ele esquecesse da garrafa de vodka que encontrou em seu armário. Mas ela não podia, não merecia. Ela não tinha o direito.

Os olhos de Wilmer marejaram. Seu coração doía a ponto de tornar difícil respirar.

_ Eu sei, nena, eu sei... Eu nunca vou poder tirar você do meu coração. Mas eu preciso que seja feliz, apenas isso. Eu não suportaria viver longe de você, se fosse o contrário. Eu daria o mundo inteiro pelo seu sorriso. Por favor, ame-se, lembre-se todos os dias do quanto você é perfeita, de tudo o que você já conquistou. Encontre alguém que pode ser, para você, aquilo que eu não posso. - Demétria sentiu seu coração se agitar quando ele beijou sua testa levemente, com os lábios molhados pelas lágrimas que o homem derramava sem constrangimento.

_ Meu coração sempre irá pertencer a você. Adeus, mi amor.

Quando ele saiu pela porta, ela sentiu frio, embora fosse início do verão. Demétria abraçou a si mesma, e sentou-se no chão da sala. O torpor ainda estava lá, sua mente continuava nublada, vazia. Ela encontrou seu celular em algum lugar no sofá, o texto em seu Instagram anunciando o término era tão formal, tão vago, que mal parecia real. Mais uma atuação impressionante. Tudo pareceria um término amigável, eles eram melhores como amigos, ela disse, quanta mentira. Ela nunca suportaria ser apenas amiga dele, nunca suportaria vê-lo e não poder toca-lo. Em instantes, seu celular se encheu com centenas de mensagens de fãs e conhecidos que ela não se importou em ler antes de desligar o aparelho.

Lovato caminhou por toda a casa, observando cada cômodo, cada detalhe. A casa deles, tudo lembrava a ele. E finalmente o torpor começava a passar e a dor da perda começava a sobrepor qualquer outro sentimento dentro dela. Mas foi só quando a garota chegou ao quarto e viu suas coisas reviradas, a lamina e a garrafa de bebida alcoólica que Wilmer tinha encontrado em seu armário, que a sensação de "anestesia" finalmente partiu, dando lugar a uma dor insuportável. Seus sentimentos estavam claros agora. Era como se seu coração tivesse perdido todo o calor, dando lugar a um deserto de gelo devastador. Ele tinha partido, ela tinha voltado a tudo aquilo que jurou nunca mais voltar.

As lágrimas que se seguiram foram involuntárias e a garota destruiu tudo aquilo que estava a seu alcance, os porta retratos, a maldita garrafa, até mesmo seu celular havia ido parar em uma das paredes do quarto. As lágrimas caíram imprudentemente até não restarem mais forças ao corpo frágil da garota, que se arrastou lentamente até a cama. Ele havia levado um pedaço de seu coração, de sua alma. Ela estava sozinha, vazia. Havia um inverno dentro dela. E mais uma vez naquela noite, Demétria sentiu frio.



Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 16, 2016 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Changes of lifeOnde histórias criam vida. Descubra agora