O trem diminui de velocidade até parar. Da plataforma, escutam-se vozes vindas do alto falante numa língua incompreensível.
Steffi se debruça na janela. Através da nuvem de fumaça expelida pela locomotiva, distingue um enorme cartaz e, em seguida, uma construção de tijolos com telhado de vidro.
- Já chegamos, Steffi? - pergunta Nelli, ansiosa - É aqui que nós temos que descer ?
- Não sei - responde Steffi -, acho que sim.
Steffi sobe no banco do trem a fim de alcançar as malas no bagageiro. Primeiro pega a bagagem de Nelli e, depois, sua própria mala. As mochilas já estão no chão diante delas. Não podem deixar nada no trem. De qualquer forma, não puderam trazer muita coisa.
Uma senhora de vestido claro e chapéu surge na porta do compartimento do trem. Ela fala alemão.
- Rápido, rápido - diz ela. - Estamos em Gotemburgo, é aqui que vocês têm de descer!
Ela se dirige ao próximo cupê sem aguardar resposta. Steffi coloca a mochila nas costas e ajuda a irmã com a dela.
- Pegue sua bolsa! - diz ela.
- Mas ela tá tão pesada! - resmunga Nelli, mas ainda assim obedece. As duas saem de mãos dadas para o corredor, onde outras crianças já se atropelam em direção à saída do trem.
A plataforma da estação é uma enorme confusão de crianças e bagagens. Atrás delas o trem volta a dar partida. Arrasta-se para fora da estação ao som de rugidos e gemidos. Algumas crianças pequenas choram. Um menininho chama pela mãe.
- A sua mamãe não está aqui - Explica-lhe Steffi. - Ela não pôde vir. Você vai ganhar uma outra mamãe, tão boazinha quanto a sua.
- Mãe, mamãe! - continua o menino. A senhora de vestido claro segura-o nos braços.
- Venham - diz ela às outras crianças - sigam-me!
Como uma fileira de patinhos seguindo a mãe, as crianças a acompanham pela estação de trem, sob o alto telhado de vidro abaulado. Alguém se aproxima do grupo, um homem com uma grande câmera fotográfica. Um flash pipoca, causando uma explosão de luz. Uma das crianças menores, cai em prantos.
- Pare com isso agora mesmo! - grita, irritada, a senhora de vestido claro. - Não vê que está assustando as crianças?
O homem continua a fotografar.
- Minha senhora, este é o meu ttabalho - diz o homem. - A senhora toma conta das criancinhas refugiadas. Eu tiro fotografias comoventes que dão mais dinheiro para o seu trabalho.
Ele tira mais algumas fotos.
Steffi vira o rosto. Não quer ser uma criança refugiada na fotografia comovente de algum jornal. Ela se recusa a ser alguém que precise receber esmolas.
A mulher os leva até o canto mais afastado do grande salão de espera, onde uma pequena multidão se comprime em uma área isolada. Uma outra senhora, mais velha e de óculos, aproxima-se deles.
- Bem-vindos - diz ela. - Bem-vindos à Suécia. Nós, do Comitê de Ajuda, estamos muito felizes com a presença de vocês. Aqui estarão em segurança até que possam voltar a se reunir com seus pais.
Ela também fala alemão, mas com um sotaque esquisito.
A mulher mais jovem apanha uma lista e passa a fazer uma chamada:
- Ruth Baumann... Stefan Fischer... Eva Goldberg...
Para cada nome, uma criança levanta o braço e se aproxima da mulher com a lista. Ela controla o crachá de papel pardo que cada uma leva pendurado ao pescoço por um barbante. Alguém da multidão de adultos se aproxima, pega a criança e vai embora. Os menores que não conseguem responder quando são chamados são pegos no lugar onde estão sentados.
A chamada segue a ordem alfabética, e Steffi logo compreende que ela e Nelli ainda terão de esperar muito. Seu estômago dói de tanta fome e o corpo inteiro não vê a hora de se esticar numa cama. Desde o começo da manhã de ontem, o cupê apertado do trem transformara-se em seu único lar. Os milhões de quilômetros de estradas de ferro atrás delas eram como um elo que as ligava a Viena, a mamãe e papai. Agora o elo fora cortado. Agora estavam sozinhas.
Vagarosamente, o grupo de crianças e adultos vai diminuindo. Nelli se aproxima da irmã.
- Quando vai chegar a nossa vez, Steffi? Ninguém vem nos buscar?
- Ainda não chegaram no S - explica Steffi. - Vamos esperar mais um pouquinho.
- Estou com fome - choraminga Nelli -, e cansada... E com fome.
- A gente já não tem mais nada para comer - diz Steffi. - Os sanduíches já acabaram há muito tempo. Você vai ter que esperar até a gente chegar em casa. Sente-se na mala se não aguentar ficar em pé.
Nelli se senta na maleta e apoia o queixo nas mãos. As tranças negras e compridas chegam quase até o chão.
- Nelli - diz Steffi -, você vai ver que vamos morar num verdadeiro palácio. Com um monte de quartos e salas. E com vista para o mar.
- E eu vou ter um quarto só pra mim? - perginta Nelli.
- Vai, sim - assegura Steffi.
- Mas eu não quero - diz Nelli. - Quero dormir no mesmo quarto que você.
- Eleonore Steiner - grita a mulher da lista. - Aproxime-se! - Steffi puxa Nelli por entre as bagagens espalhadas por toda a parte.
- Somos nós - diz Steffi. A mulher volta a estudar sua lista.
- Stephanie Steiner? - pergunta ela. Steffi assente.
- Steiner? - repete a mulher mais uma vez em voz alta. - Eleonore e Stephanie Steiner!
Entre os adultos do grupo à espera, ninguém se move.
- Steffi - diz Nelli com a voz trêmula -, ninguém quer ficar conosco?
Steffi não responde. Ela agarra a mão da irmã com força. A mulher da lista volta-se para ela.
- Aguardem um minuto - diz ela e as leva para o lado. - Esperem aqui. Eu volto já.
A mulher mais velha retoma a lista e volta à chamada. Por fim todas as outras crianças desaparecem. Restam somente Steffi e Nelli com suas bagagens.
- Agora podemos voltar pra casa? - pergunta Nelli. - Para mamãe e papai?
Steffi balança a cabeça e Nelli começa a chorar.
- Shhh! - diz Steffi. - Quer parar de manha, você não é nenhum bebezinho!
O som de passos no chão de granito se aproxima mais e mais. A mulher mais jovem dá uma rápida explicação à mais velha, pega uma caneta e faz uma anotação nos crachás de Steffi e Nelli: "As crianças não falam sueco."
- Venham - diz ela. - Vou acompanhá-las até o barco.
Steffi segura a mala com uma das mãos e Nelli com a outra. As duas meninas seguem a mulher em silêncio para fora da estação.
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Uma Ilha No Oceano
RomanceÉ o verão de 1939. Duas irmãs judias, vindas de Viena, são enviadas à Suécia para escapar do terror nazista. Elas acreditam que ficarão com as famílias adotivas apenas por seis meses, até que seus pais possam fugir da Áustria e levá-las para a Améri...