Agenda Em Chamas

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Minha mãe, uma mulher loira de meia-idade, estava aos prantos na varanda enquanto dois policiais tentavam tranquilizá-la sem sucesso algum.

   Naquela manhã, o corpo de meu pai foi encontrado. Estava parcialmente queimado, de forma que era possível reconhecê-lo.

  Eu realmente gostaria que tudo congelasse, que o tempo pausasse e que eu não sentisse mais nada. Mas, há algum tempo, eu havia aprendido que as coisas não funcionavam assim.

Eu corri, escutando o grito de minha mãe me repreendendo. Queria fugir, e quem sabe, desaparecer.

Só parei de correr quando estava entre as árvores, quando senti o cheiro da grama molhada e a senti sob meus pés descalços.  Para minha decepção, aquilo não me trazia calmaria alguma, como de costume.

Desabei sem perceber. Desabei literalmente.

Estava jogado na grama.

  Nenhuma lágrima saiu dos meus olhos, nenhum som escapou da minha boca, não produzi nenhum movimento.

   Ao meu lado, perto daquelas árvores, estava uma agenda de capa dura e preta, talvez velha, considerando o desgaste.

Tomei em minhas mãos, folheei até a última anotação, cujo final havia sido destruído por chamas.

"Dom, 19 de jun 2016

23:34hr

  Objeto cômico, pulsando em uma massa de luzes coloridas. Se assemelha a um cogumelo de cabeça-para-baixo.
Está sobrevoando há cerca de 20 minutos, e me sinto obrigado a confessar que espero ansiosamente o contato.

Seg, 20 de jun 2016

00:02

É com grande entusiasmo que anuncio o fato do objeto estar pousando, é maior do que eu esperava. Está há cerca de 100 metros de distância.

Nesse momento, avisto um humanóide caminhando a passos lentos. Passos demasiados lentos, imagino que esteja[...]
"

As letras, enfileiradas nas linhas da agenda, eram de uma caligrafia minúscula, desleixada e apressada. Claramente se tratava
da caligrafia de Steven McLean. Meu pai.

O restante da página havia sido queimado, como se as chamas estivessem sendo controladas e parassem exatamente na linha desejada, apenas impossibilitando outras informações.

Por fim, coloquei a agenda dentro de minha jaqueta. Talvez tenha ficado ali por meia hora, em um silêncio perturbador.

                        ○○○

Três batidas na porta quebraram o silêncio do meu quarto.

Toc. Toc. Toc.

Apenas mudei de posição na cama, e pela primeira vez em uma semana, meus olhos marejaram. Mordi o lábio inferir com grande força e escorreguei meus pés para dentro das botas.

Corri meus dedos pelas paredes descascadas, pintadas de azul. Parei por segundos no espelhos, então avistei um jovem de 16 anos, com cabelos e olhos negros, muito pálido e magro.

Ao girar a maçaneta, fitei os olhos azuis de minha mãe. Ela me olhou de baixo para cima e depois vasculhou o quarto com os olhos, desaprovando.

-Annelise...-Comecei, bocejando.

-Você sabe que deve me chamar de mãe, Pietro. E vejo que ainda não terminou. -Ela se referia a mudança. Minhas roupas ainda não estavam dentro das caixas de papelão. Eu estava preso àquela casa, e não queria sair dali. Embora soubesse que protestar não adiantaria.

Olhei no fundo dos seus olhos marcados por rugas e olheiras das noites de insônia. Ela abaixou o olhar, como sempre fazia, e eu odiava aquela mania.

Por fim, ela revirou os olhos e deu um tapinha em meu ombro esquerdo.

-Ok, Pietro. Eu desisto. Pode sair que eu vou arrumar. -Proclamou, sem paciência. 

Andei uns passos para trás e enfiei as mãos em minha gaveta, procurando desesperadamente a agenda. Tomei em minhas mãos e folheei rapidamente, fechando em seguida.

Minha mãe me seguiu com os olhos, embora não tentasse indagar sobre. Ela não sabia que eu havia achado, e não sabia nada sobre os relatos que ali estavam escritos. Na verdade,  ninguém, exceto eu, sabia.

Me tranquei no banheiro e...Por favor, não exija detalhes. Você sabe exatamente o que pessoas fazem no banheiro.

Sai após 30 minutos, e tudo estava pronto. Estávamos quase preparados para entrar no caminhão de mudança.

Eu queria chorar, correr e gritar. Queria deitar no chão, fazer birra e dizer que não iria sair de lá. Mas eu não fiz. Fechei meus olhos e abri a porta, me assentando.

Não pretendia abrí-los tão cedo.

                       ○○○

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⏰ Última atualização: Jun 20, 2016 ⏰

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Glass Galaxy-Livro 1:A Galáxia de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora