Veja como eu vejo

Apenas você

Pode parecer clichê, e eu sei que é, mas hoje eu só quero ser eu mesma. Não me venha com teorias e comprovações científicas. Não me venha com horóscopos, com "você deveria ser...", "você deveria fazer". Não. Hoje vou ser apenas a Valentina, independente do que isso signifique.

Por muito tempo e em muitas vezes eu me perguntava se eu estaria errada, se eu não deveria pensar, agir ou ser de tal forma. Eu me punia por não me enquadrar nas formas que me eram apresentadas, isso me corroía por dentro. Muitos negam, dizendo que a liberdade está aí, que eu posso ser o que quiser, e hoje eu posso mesmo, mas não por alguém ter-me dito isso. Porque eu me permiti.

No momento em que eu abri meus olhos para ver o que estava bem na minha frente, correndo, brincando, tão puro quanto uma criança, percebi que não havia mais tempo para se encaixar. Ou eu me aceitava e deixava de me preocupar, ou... eu me aceitava e deixava de me preocupar. A vida não vai passar batida por mim. Se essa for mesmo a nossa única chance de aproveitar esse mundo, então que eu aproveite. Sei que é muito fácil falar e que na sociedade em que vivemos é difícil ser livre, crescemos formando nossos estereótipos naquilo que nos é apresentado, crescemos vendo que a aceitação das pessoas é o mais importante, crescemos aprendendo a sermos escravos. Da aparência, da mídia. Algo dentro de você, que ainda se sente preso, está gritando agora. Ouça-se. A vida ao seu redor merece ser vivida, não feche os olhos para ela, não perca seu tempo tentando ser o que você não é.

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Acordo dos meus devaneios sentada no balanço. Na minha frente está a minha missão de hoje, também chamada de Benício. Ben é um menino lindo, do qual fico encarregada de cuidar todas as sextas-feiras. Com sete anos, já vejo que ele tem qualidades incríveis, que são sutilmente oprimidas, todos os dias, pela sua família. Ben ama desenhar, e o faz muito bem. Porém, não é qualquer desenho, são vestidos! Seu olho brilha a cada nova ideia, sua empolgação é imensa ao mostrar-me qualquer um de seus modelos. A família, que sabe do seu dom, finge não ver, obriga-o a jogar futebol e a se inteirar sobre assuntos como corrida, jogos de videogame, coisas que ele repudia.

Quando está comigo, sinto que Benício pode finalmente ser ele mesmo, sem medo de que eu vá julgá-lo ou criticá-lo. Eu me apeguei tão rápido à esse menino, preciso ajudá-lo a ver através do véu de 'recomendações' da família. Enquanto eles limitam, eu liberto. Enquanto eles odeiam, eu aceito. Quando eu penso que Ben é apenas uma criança que gosta de desenhar vestidos, mas que já é fortemente reprimido de seus desejos pela própria família, meu coração se entristece. É por isso que hoje trouxe-o aqui em casa.

Ainda tinha em um baú a maioria das minhas bonecas, o tecido foi fácil de arranjar com a minha mãe, e agora estamos aqui, no quintal, tirando do papel os melhores desenhos do Benício. À cada palavra dele a alegria é tamanha que parece que o menino vai explodir a qualquer momento. Garanto que não fico para trás, pois vê-lo assim me deixa muito contente! Se eu pudesse fazer com que todas as pessoas sentissem, apenas por um instante, a sensação de ser totalmente livre, tenho certeza de que nenhum tipo de preconceito ou imposição existiria! Como as pessoas podem se incomodar tanto com algo que nem diz respeito à elas? Como podem carregar tanto ódio por... por quem?

Hoje Benício pode ser apenas Benício. Hoje Valentina brinca de bonecas e lê sobre política, usa meia de corações coloridos e blazer, gosta de humanas e exatas, sorri e chora... Entende? Nada do que eu faça me impede, pelo contrário, só expande ainda mais as minhas oportunidades. Eu posso ser todas as coisas e uma só. Posso ser todas as Valentinas e ainda sim apenas eu. Não há nenhuma corrente que me prenda.