Pensei em fingir uma gastrite. Ou uma enxaqueca arrasadora. Ataque
de pânico. Sério, qualquer coisa que me livrasse do café da manhã.
Então pensei em Maxon e no que ele sempre dizia sobre encarar as
dificuldades com a cabeça erguida. Talvez não fosse meu ponto forte, mas
se ao menos eu descesse até a sala de jantar, se ao menos estivesse
presente… quem sabe ele me daria algum crédito.Na esperança de consertar pelo menos parte do que fizera, pedi às cri-
adas que me vestissem com a roupa mais discreta que eu tivesse. Só por
esse pedido elas entenderam que não deviam perguntar nada sobre a
noite anterior. O decote do vestido era um pouco mais fechado do que
costumávamos usar no clima quente de Angeles, e as mangas chegavam
quase até o cotovelo. Era florido e alegre, o oposto do visual da noite
anterior.
Mal consegui olhar para Maxon quando entrei na sala de jantar, mas
pelo menos mantive a postura ereta.
Quando finalmente dei uma espiada em sua direção, lá estava ele me
observando, com um sorriso irônico nos lábios. Enquanto comia, Maxon
piscou para mim, e voltei a baixar a cabeça, fingindo estar muito in-
teressada na minha quiche.
— Bom ver você com roupas de verdade hoje — Kriss disparou.
— Bom ver você de bom humor.
— O que deu na sua cabeça? — ela perguntou.
Desanimada, não quis prolongar a conversa.
— Estou sem paciência para isso hoje, Kriss. Só quero que você me
deixe em paz.
Por um instante, achei que ela fosse reagir, mas aparentemente eu não
valia o esforço. Ela se ajeitou na cadeira e continuou a comer. Se eu
tivesse obtido um mínimo de sucesso na noite anterior, poderia justificarminhas ações. Mas do jeito que as coisas tinham ido, sequer podia fingir
orgulho.
Arrisquei outro olhar para Maxon. Apesar de não estar mais me ob-
servando, dava para perceber que ainda se segurava para não rir enquanto
cortava a comida. Era demais. Eu não suportaria um dia inteiro daquele
jeito. Já estava me preparando para desmaiar, fingir uma dor de barriga ou
tentar qualquer outra coisa para sair dali o mais rápido possível quando
um mordomo entrou na sala. Trazia um envelope em uma bandeja de
prata e fez uma reverência antes de colocá-la diante do rei Clarkson.
O rei pegou a carta e leu-a no ato.
— Malditos franceses! — resmungou. — Desculpe, Amberly, mas
parece que terei de partir dentro de uma hora.
— Mais um problema com o tratado de comércio? — a rainha per-
guntou tranquilamente.
— Sim. Pensei que tivéssemos acertado tudo meses atrás. Precisamos
ser firmes desta vez.
O rei atirou o guardanapo na mesa, levantou e seguiu em direção à
porta.
— Pai! — Maxon chamou, também se levantando. — Não quer que
eu vá junto?
De fato, eu tinha achado estranho o rei não vociferar nenhuma ordem
para que o filho o seguisse quando se levantou. Afinal, era esse o seumétodo de ensino. Desta vez, porém, ele se voltou para Maxon e, com o
olhar frio e a voz cortante, disparou:
— Quando você estiver pronto para se comportar como um rei,
poderá vivenciar o que um rei faz. — E se retirou, sem dizer mais nada.
Maxon permaneceu de pé por alguns instantes, chocado e envergon-
hado pela bronca que levara na frente de todo mundo. Sentou nova-
mente e se dirigiu à mãe:
— Para ser sincero, não estava muito animado com o voo —
comentou, para aliviar a tensão com uma piada. A rainha sorriu, como
obviamente era sua obrigação, e nós ignoramos o ocorrido.
As outras garotas terminaram o café da manhã e pediram licença para
ir ao Salão das Mulheres. Quando restávamos apenas Maxon, Elise e eu,
levantei os olhos para ele. Mexemos na orelha ao mesmo tempo e sorri-
mos. Elise finalmente saiu, e nos encontramos no meio da sala de jantar,
sem nos importarmos com as criadas e os mordomos que chegavam para
limpar a mesa.
— Ele não vai levar você por minha causa — lamentei.
— Talvez — Maxon provocou. — Acredite, não é a primeira vez
que ele tenta me colocar no meu lugar, e, na cabeça dele, tem milhares
de motivos para isso. Não me surpreenderia se o principal motivo agora
fosse despeito. Ele não quer deixar o poder, mas quanto mais perto eu
chego de escolher uma esposa, maior a probabilidade de que isso acon-
teça. Apesar de ambos sabermos que ele nunca abrirá mão do governo.— Você deveria me mandar para casa de uma vez. Ele nunca vai
deixar que me escolha.
Eu ainda não contara a ele que seu pai havia me encurralado e me
ameaçado no meio do corredor depois que Maxon o convencera a me
deixar ficar. O rei Clarkson deixara bem claro que era para eu ficar de
boca fechada sobre aquela conversa, e eu não pretendia contrariá-lo. Ao
mesmo tempo, odiava guardar segredos de Maxon.
— Além disso — acrescentei, cruzando os braços —, depois de ontem
à noite, não acho que você me queira por aqui mesmo.
Ele mordeu os lábios.
— Desculpe pela minha reação, mas, sério, o que mais eu podia fazer?
— Eu tinha várias ideias — murmurei, ainda envergonhada por ter
tentado seduzi-lo. — Agora me sinto uma idiota — completei, escon-
dendo o rosto entre as mãos.
— Pare com isso — ele disse gentilmente e me abraçou. — Acredite,
foi muito tentador, mas você não é assim.
— Mas não deveria ser? Isso não deveria fazer parte do que somos? —
lamentei, apoiando a cabeça em seu peito.
— Você não se lembra da noite no abrigo? — Maxon perguntou
baixinho.
— Sim, mas aquilo era basicamente a nossa despedida.
— Teria sido uma despedida fantástica.Recuei, dando um leve empurrão nele. Ele achou graça, feliz por ter
amenizado o desconforto da situação.
— Vamos esquecer esse assunto — propus.
— Ótimo — concordou. — Além do mais, temos um projeto para
pôr em prática, você e eu.
— Temos?
— Temos. Como meu pai está fora, este é o momento ideal para
começarmos a bolar estratégias.
— Certo — eu disse, empolgada por fazer parte de algo só entre nós
dois.
Maxon respirou fundo, me deixando ansiosa para descobrir o que es-
tava tramando.
— Você tem razão. Meu pai não a aprova. Mas ele pode ser obrigado
a ceder se conseguirmos uma coisa.
— Que coisa?
— Precisamos fazer de você a favorita do povo.
Fiz uma careta.
— Esse é o nosso projeto, Maxon? Nunca vai acontecer. Vi uma
pesquisa em uma das revistas da Celeste depois que tentei salvar Marlee.
As pessoas não me suportam.
— As opiniões mudam. Não deixe um momento isolado desanimá-la.
Eu ainda achava que era impossível, mas o que poderia dizer? Se
aquela era minha única opção, pelo menos deveria tentar.— Tudo bem — eu disse. — Mas já vou avisando que não vai
funcionar.
Com um sorriso travesso no rosto, Maxon chegou bem perto e me
deu um beijo longo e demorado.
— Pois eu digo que vai.