O inverno que não acabou

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O ranger agudo da cadeira contra o assoalho da varanda não cessava, mesmo sem ter alguém sentado para fazê-la balançar. A escadaria de madeira estalava de forma ritmada, mesmo sem ter alguém subindo ou descendo seus degraus. O telhado ecoava o barulho de um tambor que lembrava espessas gotas de chuva caindo, mesmo sem ter uma nuvem no céu. O cheiro acre e penetrante que vinha da cozinha me embrulhava o estômago, mesmo sem ter uma panela sobre o fogão. As janelas batiam por conta de um vento inquieto e raivoso, disposto a varrer minhas memórias daquele lugar.

Não sei ao certo por quanto tempo fiquei ali parado, junto ao carro, observando a casa por entre as grades enferrujadas do muro, que já não mais a protegia, tão pouco a separava da rua, era apenas ruína. Com imponentes colunas distribuídas ao longo de sua fachada, agora corroídas pela idade avançada, sentia-me intimidado diante dela. Hesitei em entrar depois de tantos anos sem vê-la.

Abri o ferrolho que prendia o portão em forma de arco e pude observar como a vegetação havia envolvido as pedras que formavam o largo caminho até a varanda. Ao me aproximar da entrada, toquei com receio os vitrais que adornavam a esquadria da porta principal; a poeira mudara por completo sua cor original. Do lado esquerdo, era possível esticar o pescoço e ver, por uma fresta, o que tinha lá dentro.

O inverno que não acabou (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora