O mar revolto batia nas pedras, mas ela não o escutava. Todos os seus sentidos estavam anulados. Sem sapatos, os cabelos curtos acompanhando a ventania. Encarou o celular que vibrava em sua mão esquerda. "Rua das Gardênias" a mensagem informava. Lentamente ela pegou seus chinelos e os calçou. Caminhou pela orla sem pressa, não possuía ânsia por aquele encontro. Mais uma noite regada a vinho, fumaça e conversas sobre outra pessoa. Nunca era sobre ela mesma, ou sobre algo que lhe importasse.
Uma nova ligação a fez acordar de seus pensamentos.
- Você não vem, mesmo?! Ela está esperando por você!
- Não posso, te disse que recebi uma ligação do escritório. Precisam de mim. – desculpou-se.
- A última vez que te vi foi no enterro do papai. Tem noção de que não te vejo há mais de um mês?
– Diga que a amo e que estarei aí amanhã.
- Diga você mesma.
- Você sabe que... – estava prestes a iniciar uma discussão, mas pôde ouvir quando o telefone foi passado para outra pessoa e a voz da garotinha a calou.
- A mamãe disse que você não vem.
- É verdade, amor. A tia precisa trabalhar, mas eu comprei um presente lindo pra você, vou levar aí amanhã. É o que você me pediu.
- Tudo bem... Tem um palhaço aqui.
Ela encarou o relógio, desejando ter mais tempo.
- Isso é muito legal! Suas amigas estão aí?
- A minha mãe disse que ela não pode vir, se não vai passar para todo mundo. Ela disse que eu preciso desligar. Tchau!
- Diana? – Chamou pela irmã – Alô?
- Fala.
- Levarei o presente dela amanhã.
- Amanhã prometemos levá-la ao parque. Preciso ir, estão me chamando.
- Espera! Eu preciso entregar o presente, prometi que iria.
- Então, esteja aqui às 14 horas e vá conosco ao parque. É Domingo, eles não podem te fazer trabalhar no Domingo, você sabia que isso é exploração?! Dá processo trabalhista. O filho da vizinha processou a empresa e...
- Vou tentar. Eu te ligo.
- Te amo. Tchau...
Era de se esperar que uma mulher tivesse receio de caminhar pelo calçadão sozinha às 23 horas, em plena noite de Carnaval. Mas, as "mulheres da noite", como eram conhecidas, tinham costume de lidar com todos os perigos que as ruas traziam. E, sendo Cléo uma acompanhante de luxo, sua segurança era garantida por seus admiradores. Sabia que qualquer pertence possivelmente roubado logo seria recuperado.
Ela caminhou até uma rua residencial, tranquila, longe dos festejos carnavalescos. Calçou seus sapatos de salto alto e retocou o batom. Guardou os chinelos na bolsa e aguardou, até avistar os faróis do Prius, que estacionou em sua frente.
- Boa noite, dona Cléo. – o motorista cumprimentou-a, observando-a através do retrovisor. Os cabelos curtos e negros realmente lhe faziam jus ao codinome. Ela se parecia com a caricatura de Cleópatra. E,de todas as acompanhantes que Luiz levara aos seus destinos, esta ele jamais conseguira fazer sorrir – Dona Cléo, eu posso fazer uma pergunta?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fora de Controle
RomanceHonrado e dedicado, Heitor saiu de Minas Gerais para ajudar no restaurante da família durante o dia e trabalhar como taxista durante a noite. Tem seu destino cruzado com o de Cléo, em plena manhã de carnaval. Cansada de ser cont...