Nossa Caixa de Pandora

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Um jovem, depois de um dia fisicamente intenso, entrega-se a sua cama. Por ali mesmo fica, mesmo com uma lâmpada acesa, e um celular na mão esquerda, prestes a cair.

Era preciso muito mais para que suas pálpebras abrissem novamente naquele cenário. Mas ele as abriu.

Sem noção de tempo, já sentado sobre a cama, se questionou sobre o celular que deixara por ali. Não encontrou nada. Não encontrou sequer uma luz.

A escuridão lhe escondia as paredes de seus olhos. Algum tipo de tensão lhe percorria o corpo, o que o trouxe definitivamente ao seu despertar.

O cenário, diga-se, seria digno de um desnorteado, talvez um sonâmbulo, ou alguém sob efeito de fortes remédios. Bem que ele queria, ainda mais quando viu um objeto, acompanhado de uma iluminação sutil vinda de cima, a alguns metros de distância.

O caminho exigia em torno de dez passos na escuridão, por mais que seu quarto, em sua lembrança, não chegasse a um terço disso.

Chegou mais próximo, ainda que a alguns poucos passos, e sussurrou: "O que é isso?"

- "Isso" é uma caixa de pandora - levantou-se uma voz feminina, com um tom que denotava experiência e segurança, ao mesmo tempo em que não trazia um sentimento claro, positivo ou negativo.

- Eu li sobre isso. Por que sonho com a caixa?

- Não é um sonho.

O jovem, que foi surpreendido ao se perceber já menos assustado, mesmo que ao mesmo tempo desejasse estar em um sonho, já não sabia o que fazer, nem dizer.

- Que horas são? Cadê o resto das pessoas daqui?

- Você tem perguntas mais importantes a se fazer. Mas a sua cordialidade me comove ao ponto de lhe dizer que estamos só eu e você aqui. Ninguém nos ouve.

- Como uma prisão?

- Uma prisão que pode te libertar.

- Devo abrir a caixa?

- É contra a regra te influenciar positiva ou negativamente.

- Quais outras regras existem aqui?

- Essa é a única. Mas deixe-me explicar o cenário antes da sua decisão.

A voz continuou.

- Essa caixa é a sua caixa de pandora. Ninguém mais vai ter acesso, nem mesmo eu tenho esse direito. Se aberta, você arcará com as consequências, que você mesmo determinará se são boas ou ruins.

- O que mais?

- Evite abrir por curiosidade. É uma caixa que, por mais perigosa que possa parecer, traz um auto-conhecimento de relevância quase divina.

- Não parece ruim. Ela pode me trazer evolução, então?

- Certamente.

- E evolução só pode me trazer coisas boas, certo?

- Não é algo com o qual eu possa concordar. Não no seu mundo.

O jovem, mais desperto do que nunca, não entendeu. Tentou achar uma resposta, quando teve o pensamento interrompido pela voz feminina, que se dispôs a se comunicar com uma frase maternal, ainda assim sem perder a distância entre ela e qualquer ser-humano:

- Quer ouvir uma história?

- Sim.

- A última pessoa abriu.

- E o que aconteceu?

- Depende da sua avaliação. Apenas não eleve tanto a sua consciência a ponto de bloquear a sua inconsciência na análise.

- Ok - o jovem respondeu, sem ter certeza do que estava falando.

- Um senhor, com traços de personalidade de padrões machistas, de ódio contra pessoas de estilo de vida contrário ao seu.

- Ele encontrou a compaixão, a empatia?

- Encontrou a si mesmo, como já lhe disse. É isso que estava lá, não exatamente o que ele queria, mas o que abominava. Por sua opção sexual revelada, a si mesmo e para os outros, foi afastado de trabalho, de pessoas que antes eram próximas.

- Ele não deve estar bem, apesar de se ter permitido conhecer melhor. Pode me contar uma outra história? O que aconteceu com a pessoa antes dele?

- Para o seu mundo, algo muito pior.

- ...

- Uma pessoa mais jovem, que também decidiu abrir a caixa. De consciência evoluída, estudioso das artes humanas. Centrado, nada lhe abalava. Tinha total controle de seus sentimentos.

- Não imagino o que aconteceu.

- Ele encontrou seus sentimentos.

- Foi positivo, certo?

- Ele não mais conseguia controlar o que sentia. Seus olhos, antes vítimas da seca, voltaram a lacrimejar. Voltou a externar o que de mais íntimo lhe ocorria à uma outra jovem que o atingiu sentimentalmente.

- Isso não deveria ser ruim, mesmo no nosso mundo.

- Ele foi atingido pelo amor. Sofreu por ele.

- Hum.. Conseguiu o que queria com "ele"?

- Considero que não...

- Um jovem que estava em seu lugar, em seu mundinho que nunca parou de funcionar... até você aparecer.

- Não fui eu a causa. Reitero que uma terceira pessoa lhe causou tais emoções.

- Não causaria se não fosse por você!

- E ser abatido por um forte sentimento é ruim?

- Sim, pode ser... no meu mundo.

- Exato.

O jovem, de cabeça baixa, já sabia que ali, naquela escuridão, não havia questão de tempo. Depois de sua última resposta, pode ter ficado segundos, minutos, talvez horas sem mexer um osso de seu corpo, o que contrastava com a velocidade de sua mente.

É possível que tenha interrompido seus pensamentos apenas porque sentiu uma mão tocar e apoiar suavemente em seu ombro direito.

- E se eu não abrir? - disse o jovem, ainda de cabeça baixa, para a responsável pelo toque suave.

- Você encontrará novas caixas. Não esta, não uma visível aos seus olhos humanos. Elas estão espalhadas pelo mundo, nas pessoas, assim como as caixas de outras pessoas estarão em você.

E ele abriu.

E ela sorriu.

E eles sentiram.

E eles se conheceram.

E eles choraram.

E ele viveu.

E tudo melhorou.

E tudo piorou.

E tudo aconteceu.

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⏰ Última atualização: Jun 26, 2016 ⏰

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