Lavínia

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Era um fim de tarde em que o frio da noite hesitava e chegar. Nas ruas, as pessoas, apressadas, corriam de volta para suas casas. O trânsito na metrópole começava a congestionar e os ônibus lotados se arrastavam pelas vidas como baleias indigestas. Naquele lento fim de tarde, eu cheguei ao minúsculo restaurante aonde havia marcado o encontro bem antes da pessoa que me convidara. Não que isso me surpreendesse. Alguém como ele jamais chegaria na hora de todo jeito.

O garçom se aproximou da mesa em que eu estava e me entregou o cardápio. Pedi uma água e disse que estava esperando por alguém. A tarde avançou, a noite começou a pintar o céu da e só então vi meu amigo entrar no restaurante, vestido com a jaqueta jeans surrada de sempre, andando como quem fosse a pessoa mais fenomenal do mundo. Levantei minha mão para que ele me encontrasse. Vendo-me, ele ergueu a mão num cumprimento simples e sentou-se à minha frente.

— Jack — falei estendendo-lhe a mão.

— Daniel — disse e retribuiu.

O garçom achegou-se de novo para entregar um cardápio a Jack, ele, contudo, recusou e, sem pensar muito, pediu um hambúrguer e uma cerveja. Aproveitei para pedir uma massa. O garçom recolheu os cardápios e foi-se para atender alguma outra mesa. Uma vez o garçom longe, Jack ficou encarando os cantos do restaurante por uns momentos, como estivesse tentando encontrar alguém ou alguma coisa que tinha esquecido por ali.

— Por que aqui? — ele me perguntou. — Têm civis demais.

— Não se preocupe com eles. Esse é um restaurante pequeno numa avenida importante em plena hora do rush. As pessoas só querem beber um pouco e esquecer o dia. Mas, me diz, por que você me chamou?

Jack sorriu. Prendi o ar e endureci os músculos. Lá vinha uma das fortes.

— Parece que um Bakargy veio para cá — ele começou a explicar. — Um exilado. Se meteu em problemas, resolveu fugir. Não dava para deixar a chance escapar, então resolvi pedir uma mão ao dono da casa para encurralar o morcego.

— A cidade não é minha — corrigi. — Eu estou mais para um caseiro do que para um dono.

— Qual é! Você toma conta disso aqui tem dois anos já. A cidade é sua.

Tentei fingir um sorriso. Acabei me lembrando dela, da verdadeira dona da cidade. Ainda conseguia senti-la na minha mão direita.

— Dois anos…

O garçom chegou com a comida. Jack abriu a cerveja e começou a beber direto da lata. Metade foi para dentro da garganta no primeiro gole.

— Mas, e aí? — ele falou. — Pronto para bancar o Van Helsing?

Esfreguei as mãos no rosto tentando limpar a cabeça. Jack me fitava com olhos de cachorro curioso.

— O que está pegando? — ele me perguntou.

— Tive um caso complicado esses dias.

— Mulher?

— Não esse tipo de caso. Mas, é, tinha uma garota.

— Sabia.

— É mais complicado que isso — expliquei.

— Eu sou todo ouvidos, Dan.

Engoli metade do copo d’água para tentar ajeitar as ideias. A história começou a voltar à minha cabeça.

— Vai ser um pouco longo. A coisa toda começou no fim do mês passado. Estava na internet quando dei de cara com um post estranho num board. Era um sujeito pedindo ajuda, falando que uma garota estava atrás dele, ele não sabia o que fazer e estava com medo. Não deu uma hora tinha uma tonelada de mensagens fazendo piada com o cara enquanto ele tentava dizer que era sério.  Na hora eu nem me importei com isso. Sempre tem um idiota fazendo algo do tipo na internet. Com o tempo você começa a parar de levar tudo isso a sério e simplesmente ignora. O problema é que nessa mesma noite a Máquina do Mundo deu sinal de que alguma coisa estava errada.

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