Prólogo

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1° de Agosto de 2009

O asfalto sob mim parece um borrão conforme as rodas da bicicleta giram, ganhando mais velocidade a cada pedalada. Eu não vejo nada, apenas sinto a brisa do vento quente da manhã contra meu rosto, por mais que eu esconda o mesmo nas costas de quem está guiando a velha magrela dos meus pais.

O dia é de sol, mas minha mente projeta uma nuvem cinza e antipática sobre tudo e, conforme passo pelas pessoas, felizes por ainda ser verão, com sorrisos estampados no rosto, eu não sorrio. Não quando sei o que me espera ao fim do trajeto, quando as rodas da bicicleta pararem de girar. Mesmo sabendo que não há volta para o "big bang" da minha vida, eu fecho os olhos e tento aproveitar os poucos minutos que me restam com a pessoa mais importante do mundo para mim, ignorando completamente a paisagem marítima da minha cidade, que me encanta até hoje.

O céu azul e o calor do sol começam a perder espaço para os prédios e concreto que insiste em deixar tudo mais cinza e frio. É como se o apocalipse se aproximasse. Infelizmente, ele se aproxima rápido demais.

A bicicleta para e a voz masculina que escuto há tantos anos me pede para descer. Eu obedeço e desço, ajeitando o cabelo, cabisbaixa. Ele também desce da bike, deixando-a encostada contra um pilar.

Meu irmão, Carlos, meu grande parceiro da vida está radiante como nunca vi antes. Hoje é o dia mais feliz da vida dele e provavelmente o dia mais infeliz da minha. Ele confere o relógio de papai que carrega no pulso direito (igual meu velho) e dá pequenos pulos enquanto vem em minha direção. Olho para ele forçando o meu melhor sorriso.

- Sirena, por favor, a mochila - ele se refere ao maciço peso que carreguei o trajeto todo em minhas costas. Entrego-o para ele, que revira a mesma.

Suas mãos ágeis percorrem cada cantinho da bagagem (simplesmente seu guarda-roupa inteiro em uma pequena bolsa velha) enquanto ele murmura sua lista de Coisas Para Não Esquecer, necessárias para sua viagem. Ah, maldita viagem.

De repente, ele para, me encarando. Mais uma vez, finjo a expressão que estampa minha cara.

- O que foi? - pergunto.
- Passaporte, visto e passagens. Agora, Sirena - ele diz estendendo a mão e me olhando seriamente.
- Você, o mestre das listas de coisas importantíssimas que não se deve esquecer, esqueceu seu precioso tesouro que vai te tirar daqui?
- Agora não é o melhor momento para brincadeiras, Sirena. Me devolva-os, por favor.

Eu tiro seus documentos (roubados sorrateiramente enquanto ele fazia a mala, 3 dias atrás) e deixo-os a mostra, mas ainda deixo-os em minhas mãos. Encaro meu irmão.

- Só se você explicar o porque de haver só uma passagem de ida - digo.

Ele fica quieto, me encarando e respirando devagar, porém pesadamente.

- O que te faz pensar que sua faculdade é mais importante que eu? Que a vovó? Carlos, é uma escola...
- Sirena, é o meu futuro. Você não tem direito de interferir nas minhas decisões, e roubar meus documentos só mostra seu egoísmo e infantilidade. Você ainda vai começar o ensino médio. Quando for a sua vez de escolher seu próprio futuro, você entenderá.
- Não sou eu quem está deixando a família, não é mesmo, Carlos?

Ele se cala e toma os documentos de minha mão, guardando os mesmos na mochila. Eu desvio o olhar, mordo o interior da bochecha para conter a vontade de gritar e arranho minha nuca para não começar uma briga no meio da Rodoviária de Busan. Por mais nervosa que eu esteja, meus pais me ensinaram a nunca brigar em lugar público, ou qualquer outro lugar.

Um silêncio paira entre nossas mentes, mesmo que nossos ouvidos podem ouvir o barulho de buzinas e motores ao nosso redor. Eu evito cruzar meu olhar com o dele.

Maybe One Day {Park Jimin} - HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora