Capítulo dezesseis, sobre papéis

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Eles podem se inverter quando você menos espera.

Como naquele dia, por exemplo.


Eu estava de volta à Terra e devia ter mantido distância do meu humano irritante, afinal.

Mas não.

Eu precisava vê-lo, ter certeza de que estava aleijado e de que nunca mais incomodaria mais ninguém.

Precisava vê-lo sofrendo.

Machucado.

Chorando se possível, como a criatura frágil e repugnante que era.


Ou eu pensava que era por isso.

Mas estava enganada.

Embora eu não fosse admitir aquilo naquele momento, ah, não.


E por que não?

Ah, não se apresse. Você não vai querer correr com o seu tempo, não é?


Foi o que eu pensei.


- Era um anjo, Henry, eu juro.


Oh.

Lá estava ele, deitado em um leito de hospital, a perna atacada enfaixada, o rosto coberto por hematomas, e arranhões agora limpos por algum anti-séptico barato.


Tentei ordenar meus lábios a se contorcerem em algo que pudesse lembrar vagamente um sorriso, mas eles não me obedeceram. Eles não iriam me obedecer, e não iriam porque o verme e a bactéria pareciam ter reivindicado o controle do meu corpo, e faziam dele seu hotel cinco estrelas.


Anjo.


Outra vez aquela palavra equivocada que se revirava dentro de mim como um ciclone tropical.


- Você bateu a cabeça, imaginou coisas. – respondeu o primo loiro bonitão que eu não tinha reparado estar ali. – Agora durma.


Isso, durma.

Assim eu não teria mais que ouvir sua voz grossa acordar meu verme intrometido, e nem teria que prestar atenção nos olhos azuis brilhantes.


Mas é claro que ele não dormiu.

Quanta pretensão da minha parte.


- Eu estou falando sério, eu vi! Ela levou o urso. Ela o matou!


Uh-oh, havia alguma coisa errada.

Ele não podia ter me visto.

Não devia.


Humanos não podem me ver, não até que chegue sua hora.

E aí já não faz diferença, uma vez que não podem tagarelar sobre o fato com ninguém.


Ao menos que eu queira.

Mas eu não queria.

O homem que me chamava de anjo [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora