Brincava Fernando com as irmãs, quando bateram palmas à escada.
As meninas fugiram pela alcova; o Seixas, sem mudar de posição, disse em alta voz:
- Suba!
Este modo de receber tão sem-cerimônia, talvez cause reparo em um moço de educação apurada, mas Seixas não era procurado em casa senão por algum caixeiro, ou por gente de condição inferior.
Borbotou, é o termo próprio, borbotou pela sala a dentro a nédia e roliça figura do Sr. Lemos que de relance fez às carreirinhas um ziguezague e atochou à queima-roupa no Seixas estático três apertos de mão um sobre o outro, coroados das respectivas cortesias.
- É ao Sr. Fernando Rodrigues de Seixas que tenho a honra de falar?
O nosso escritor ergueu-se de pronto. Compondo as abas do chambre com um gesto rápido, tomou o ar de suprema distinção, que ninguém revestia com tanta nobreza e tacto.
- Tenha a bondade de sentar-se; disse oferecendo ao Lemos o sofá; e desculpar-me este desarranjo de quem acaba de chegar.
- Sei. Desembarcou ontem?
Seixas confirmou com a cabeça:
- A quem tenho a honra de receber?
Lemos tirou do bolso uma carta que apresentou ao moço, fitando nele o olhar perspicaz.
- A pessoa que me fez a honra de apresentá-lo, Sr. -Ramos, merece-me tudo. É para mim uma fortuna esta ocasião de -provar-lhe minha estima, pondo-me inteiramente às ordens de V. S.ª.
Quando Seixas pronunciou o nome Ramos, o velhinho desfez-se em mesuras corrigindo Lemos, mas com uma presteza e no meio de tais afinados de garganta, que não o percebeu o seu interlocutor.
Eis a explicação do equívoco. Ao chegar à sua casa na Rua de São José, Lemos tinha traçado um plano, como indicava este monólogo:
- O que não tem remédio, remediado está. Desengane-se, meu Lemos: com a tal menina é escusado trapacear que ela corta-lhe as vasas. Portanto o que de melhor pode fazer um espertalhão da sua marca, é tirar partido da situação.
Saltando do tílburi, o velhinho subiu ao sobrado, donde voltou logo munido de um par de óculos verdes, que usara outrora por causa dum ameaço de oftalmia. Fez ao cocheiro sinal de acompanhá-lo, e dobrou pela Rua da Quitanda.
Pouco adiante entrou em uma loja:
- Ó comendador, dá-me aí uma carta de apresentação para o Seixas.
O negociante a quem estas palavras eram dirigidas puxou pela memória.
- Seixas... Não conheço!
- Hás de conhecer por força. Vamos, escreve lá. Em favor do Sr. Antônio Joaquim Ramos.
Era esta a carta que o tutor de Aurélia acabava de apresentar ao Seixas. Viera ele confiado nos dois disfarces, o dos óculos, e o do nome do recomendado.
Se apesar disto o moço o reconhecesse, ele acharia meio de sair perfeitamente da dificuldade.
- Desculpe-me, V. S.ª, se o procuro logo no dia seguinte ao de sua chegada, quando ainda deve estar fatigado da viagem; mas o assunto que me traz é de sua natureza urgentíssimo.
- Estou pronto a ouvi-lo com toda a atenção.
- É negócio importante que exige a maior reserva e discrição.
- Pode contar com ela.
O Lemos bamboleou-se na cadeira com sua frenética alacridade e prosseguiu: