1_ Garganta Negra

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- Inimigo a estibordo! - gritou o Imediato - Capitão, chamem o Capitão!

Uma bala de canhão foi lançada na Nau portuguesa apenas para medir a distância existente entre as embarcações. Não estava perto o bastante para causar danos. Apenas o suficiente para revelar sua intenção predatória.

Tal Nau não se podia medir. Os marujos ficaram boquiabertos, tamanha era a grandeza da nave inimiga. Haviam pelo menos dois níveis sob o mar. Sobre o convés, situavam dois castelos edificados nas extremidades do navio. As velas vinham em quatro, com panos redondos, levadas à tinta preta. O Padre dobrou os joelhos, melado de medo, curvado de espanto.

Sob a proa, notava-se uma descrição raspada. Decerto era uma Nau portuguesa, conquistada pelos ingleses, vendida aos piratas por quatrocentos baús de ouro. O que outrora era conhecida como a Nau Espirito Santo, agora vinha sem rótulo, nenhum letreiro, nenhum título. No entanto, os marujos sabiam que se tratava de uma lenda dos mares, uma conquistadora de designação tão particular quanto o ar sombrio lhe permitia; "Garganta Negra".

Como se sua magnitude não bastasse para impor sua soberania sobre a Nau menor, os deuses concederam-lhe, ainda, o vento a favor.

- Em seus postos! - Berrou Capitão Gama Rosa.

As espadas vinham desembainhadas, enferrujadas, cegas e curtas.

- Preparar canhões!

As garrruchas traziam pólvora; talvez seca, talvez não.

- Ao meu comando!

Os canhões tinham intervalos de dois minutos. Não podia-se esperar mais de homens desnutridos, enfermos e bêbados.

- Esperem!

Garganta Negra já estava a estibordo, ainda mais perto, com os canhões prontos para atirar sua primeira saraivada.

- Esperem!

Seu Capitão chamava-se Shorbeck, carregava uma úlcera na boca, e era movido pela tempestade da vingança. A cobiça e o prazer da vitória eram secundários ao seu real intento.

- Esperem...

Vieram as primeiras balas. Um barulho ensurdecedor se ouviu no oceano. Estava iniciada a batalha mais sangrenta já travada em alto mar.

- Fogo!

Esperou até o último instante antes de revidar seu oponente. No entanto, os danos causados ao Garganta Negra foram incapazes de arranhar o moral daqueles deuses piratas, mascarados, cheios de fúria.

O relatório dos primeiros estragos foi desanimador. Dois canhões foram comprometidos. Assim como um dos quatro mastros.

O Padre já rezava o Padre Nostro repetidas vezes e imaginava um paraíso seco. Se houvesse mar no céu, abandonaria a fé.

O Imediato viu o desânimo nos olhos de Capitão Gama Rosa. Ambos admitiam, no sossego da batalha, que aquela era uma peleja perdida.

Um silêncio mortal pairou no convés. A calmaria do mar causava horror, um assombro. Os marujos já aceitavam a derrota e a última esperança era que Capitão Shorbeck aceitasse sua rendição e deixassem os homens viverem. Mas fazer prisioneiros não estava nos planos daquele homem vingativo e febril.

Um menino subiu no convés. Sujo e maltrapilho, trazia consigo um livro amarrado nos ombros, com um barbante atravessado no peito e caído de lado. Segurava pedras nas mãos.

- Levantem! Podemos vencer essa luta. Eu sei!

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