MONALISA OVERDRIVE
Tinha se perdido dos amigos. Bem no fundo, sabia que seu sumiço não fora um acidente. Simplesmente não aguentava mais a escuridão estelar do interior da danceteria. Pontinhos luminosos furando o negrume, como o espaço sideral. Mesmo já tendo saído para a brisa fria da noite, a melodia eletrônica ainda martelava em sua cabeça, badaladas de um sino invisível.
Estava bêbado, e não por acidente. O álcool é o mais fiel amigo do homem miserável, não há conselheiro ou divã que o superem. Um bom whisky – e o vagabundo também, apesar de ser uma experiência mais agressiva – tira o peso dos erros e das derrotas dos ombros. E o caminhar vai se tornando cada vez mais fácil até que você se percebe flutuando.
Paulo acendeu um cigarro e flutuou até o ponto de ônibus. Deslizou pela calçada úmida e deserta, a nicotina abraçando o álcool em uma simbiose perfeita dentro de sua mente.
Seus amigos ainda estavam na boate, se divertindo. Eram bons amigos, quando as coisas estavam indo bem. Bons amigos quando havia dinheiro em sua conta. Bons companheiros quando ele ainda namorava a mulher mais linda do mundo.
Agora, apesar de Paulo achar que os sujeitos de quem se perdera ainda eram caras legais, não havia mais tanto dinheiro em sua conta. Também não haveria um emprego esperando por ele na segunda-feira, fora demitido. E a mulher mais linda do mundo... Arranjara outro príncipe. E, como num conto de fadas às avessas, com um beijo de despedida e um abraço, ela transformara-o de volta em um sapo.
Parou a meio caminho do ponto de ônibus e tomou mais um gole da garrafa de 12 anos que segurava. Olhou para trás, para a porta escancarada do clube margeada por uma grossa linha de neon vermelho: parecia uma boca de mulher, maquiada com um batom sensual, e ria dele. A noite ria dele. Mais um sapo na sarjeta.
Alcançou o ponto de ônibus e se sentou sob a proteção acrílica. Consultou o relógio de pulso. Três e cinquenta e seis da manhã. Não haveria transporte público até às seis, mas Paulo não fez questão de levantar. Estava bem ali e, apesar das lágrimas que, teimosas, escorriam de vez em quando por seu rosto, sentia-se em casa.
Mais um gole e um conforto amargo se esgueirou por sua garganta. Paulo sabia que demoraria um pouco ainda para que aquele último gole se juntasse aos outros e à nicotina, que já fornicavam em sua cabeça, numa orgia abençoada e bem-vinda.
Quis pensar nos amigos e no emprego, mas acabou lembrando-se dela.
Cassandra.
Não seria uma surpresa a lembrança. Na verdade, era bem recorrente. Afinal, era ela a bruxa responsável por transformá-lo de volta em um anfíbio suburbano. Sem emprego e com falsos amigos, um ser capaz de se adaptar a todos os insalubres habitats da selva de pedra: mais cedo, esgueirara-se pela aridez claustrofóbica da danceteria. Agora, nadava na frieza amarga de um Johnnie Walker.
Mas daquela vez, talvez a lembrança não tenha sido mera força do hábito. Concentrou-se em um anúncio preso na divisória plástica que protegia o banco do ponto de ônibus. Ler era uma tarefa difícil àquela altura, mas após alguns segundos, teve certeza: