Eu odeio fazer aniversário. Não é algo contra ficar mais velha, não me importo com isso ainda. É algo que começou quando eu era criança. Quando as pessoas iam cantar parabéns para mim, eu me escondia embaixo da mesa e chorava. Meus pais nunca tentaram entender porque eu fazia aquilo e com o tempo eu parei. Mas aquela sensação ruim nunca passou e resisto o impulso de sair da mesa e fugir para meu quarto enquanto minha família me deseja parabéns parabéns. Eu consigo me segurar e assopro as dezoito velas em cima do bolo.
Meu pai se levanta e dá a volta na mesa para me entregar uma caixa gigante de presente. Está embrulhada em um lindo papel azul florido, mas as dobraduras estão mal feitas e assimétricas. Isso me dá a certeza de quem fez o pacote foi ele mesmo.
Eu lhe dou um sorriso apertado.
Mesmo que eu saiba o que está dentro da caixa no meu colo, tenho um pequeno momento de dúvida, porque ela é um pouco maior do que deveria ser. Em toda a minha vida nunca fiquei tão empolgada com um presente e se não for o que eu estou esperando confesso que vou ficar decepcionada. Odeio como isso me faz parecer mesquinha, mas não posso mentir para mim mesma que é o que sentirei. Qual seria o ponto?
Levanto a cabeça e percebo que minha família inteira olha para mim, esperando para ver minha reação ao abrir a caixa.
Meu pai quase não se contém na sua cadeira e acena a sua cabeça em encorajamento. Ele é especialista em presentes e sempre amou dá-los para mim e a minha irmã. Todos aniversários e natais na nossa família são um evento para ele.
Até minha mãe e minha irmã tiram momentaneamente os olhos dos seus celulares para prestar atenção na abertura do presente. As duas nunca sentam-se à mesa sem os aparelhos. Uma porque não consegue ficar sem saber minuto a minuto da vida dos amigos e a outra porque parece não se sentir viva se não estiver trabalhando.
A minha pessoa favorita de todos os tempos, a minha avó, sorri para mim. Suas leves rugas ao redor dos olhos lhe dão um ar régio e fazem-los brilhar. Vó Thereza é uma das senhoras mais elegantes que já conheci na minha vida. Ela nunca sai de casa sem ter certeza que está impecável e sempre sabe o que dizer para mim, seja em momentos felizes ou tristes.
O seu presente eu já abri antes do jantar, um belo par de argolas de ouro. Simples e elegantes, como uma mulher deve ser, segundo ela. Sim, minha avó é da velha guarda.
"Abra logo, Sabrina", diz ela. "Queremos ver o que tem dentro dessa caixa. Seu pai fez tanto mistério com esse presente e me deixou tão curiosa que até parece que eu que vou ganhar".
"Talvez a gente deveria comer o bolo antes dela abrir, já que não está tão interessada assim no presente.", diz minha irmã.
"Vocês parecem mais empolgados que eu!", não resisto a brincadeira e dou risada. Vó Thereza pisca para mim e ri também.
Finalmente eu decido acabar com a angústia deles - e a minha - e começo a desempacotar. Eu nunca fui delicada para abrir presentes, adoro rasgar aqueles belos papéis e laços, mas com esse parecia errado fazer isso. Como se eu sentisse que a minha vida fosse mudar a partir daquele momento.
Lentamente descolo as fitas adesivas e tiro o papel que cobre uma caixa de papelão comum. Quando a abro, mais uma caixa está dentro dela. Ótimo! Bem que eu percebi que a caixa era grande demais. Meus pais aparentemente acharam que seria legal aumentar o suspense do meu presente e fizeram aqueles pacotes do tipo matriosca, com várias caixas uma dentro da outra. Com certeza foi uma idéia do meu pai, porque minha mãe é mais direta e gosto de pensar que nesse aspecto puxei mais a ela.
Minha teoria é confirmada quando olho para ela e ela faz uma expressão de desculpas no seu rosto. Ela me conhece.
"Ricardo, você me prometeu que não ia fazer isso com ela.", ela repreende meu pai.

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Através da Lente
Teen FictionSabrina Klein passou o último ano fazendo apenas quatro coisas: praticando suas habilidades em fotografia, estudando para o vestibular, contando os dias para o retorno do seu gatinho do intercâmbio nos EUA e vivendo vicariamente através das aventura...