capítulo 5

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O lugar tinha cheiro de uísque e ci­garro. No entanto, não chegava a ser necessariamente ofensivo, segundo Dulce pôde no­tar. Era algo mais... atmosférico, se é que se po­deria chamar assim. O ambiente era permeado por uma iluminação suave, tendo como destaque o agradável tom de azul dos holofotes que ilumi­navam o palco. Pequenas mesas redondas se dis­tribuíam por todo o salão, e embora a maioria delas estivesse ocupada, o nível de ruído era bem baixo.

Dulce percebeu que as pessoas conversavam sus­surrando, desfrutando a companhia umas das ou­tras ou realizando novas conquistas.

Diante do espesso balcão de madeira do bar, à direita da entrada, alguns clientes se mantinham ligeiramente inclinados sobre suas bebidas, como que protegendo-as de possíveis invasores.

O ambiente lembrava o tipo de clube noturno que aparecia nos filmes em preto-e-branco da dé­cada de quarenta. Aquele tipo no qual a heroína usava vestidos longos e justos, batom vermelho ­escuro e uma mecha de cabelos caído sobre o olho esquerdo, enquanto se mantinha no palco, ilumi­nada por um único foco de luz, interpretando can­ções a respeito de amores frustrados.

Enquanto cantava, os homens que a desejavam, e contra os quais ela fazia seu protesto, manti­nham-se debruçados sobre seus copos de uísque, com os olhos parcialmente ocultos pelas abas de seus chapéus.

Em outras palavras, pensou Dulce com um sor­riso, o ambiente era simplesmente perfeito.

Esperando não ser notada, andou sorrateira­mente junto a uma das paredes e sentou-se à mesa mais próxima. Então passou a observá-lo através da nuvem formada pela fumaça dos cigarros.

Ele estava todo vestido de preto. Dulce não conteve um suspiro. O jeans e a camisa pretos ressaltavam ainda mais aquele ar sedutoramen­te másculo. A jaqueta preta de couro havia sido deixada sobre uma cadeira próxima ao palco. A mulher com quem ele estava conversando era uma linda negra trajando um macacão vermelho feito de um tecido brilhante e muito justo, evi­denciando cada curva do corpo perfeito. Dulce calculou que ela devia ter mais ou menos um metro e oitenta de altura. Como se não bastasse toda aquela beleza, quando ela inclinou a cabeça para trás, o rico som de seu riso se espalhou pelo ambiente.

Pela primeira vez, Dulce o viu sorrir. Mas aquilo não era apenas um sorriso,, pensou ela, encantada com a transformação na, expressão do atraente semblante masculino. Aquilo era um intenso raiar do sol após uma noite sombria. Aquilo que o tor­nava tão irresistivelmente atraente a seus olhos, não poderia ser chamado meramente de "sorriso". Era uma expressão repleta de afeição, divertimen­to e charme. Mesmo àquela distância, Dulce sentiu todo seu impacto. Com um suspiro, apoiou o quei­xo sobre a mão e sorriu, como se o sorriso houvesse sido dirigido a ela.

Imaginou que ele e a bela negra fossem aman­tes, e confirmou isso quando a mulher segurou o rosto dele entre as mãos e o beijou enfaticamente. Claro que um homem magnífico como aquele tinha de ter uma amante, no mínimo, exótica, concluiu Dulce. E o lugar perfeito para um encontro entre os dois seria um clube noturno permeado por fu­maça de cigarro e músicas melancólicas.

Dulce suspirou alto, considerando aquilo tudo romântico demais.

No palco, Delta pousou a mão afetuosamente sobre o rosto de Christopher.

- Então, agora passou a ser seguido por mu­lheres, meu querido?

- Ela é maluca.

- Quer que eu a ponha para fora?

- Não. - Christopher não olhou para trás, mas podia sentir aqueles olhos verdes observando-o.

- Estou quase certo de que ela é uma maluca inofensiva.

- Um brilho de divertimento surgiu nos olhos ne­gros de Delta.

- Então, vou só verificar se isso é mesmo ver­dade. Quando uma mulher começa a seguir um homem, meu querido, é melhor averiguar do que ela é capaz. Certo, André?

O homem negro e magro sentado ao piano parou de dedilhar as teclas por um instante e sorriu para ela, em resposta.

- Faça isso, Delta. Mas não assuste a moça. Olhando daqui, ela parece ser bastante inofensiva. Pronto para começar? - perguntou ele, dirigin­do-se a Christopher.

- Você começa, eu acompanho.

Enquanto Delta descia do palco, os dedos longos de André começaram a exercer sua magia. Christopher deixou-se levar pelo ritmo do piano, então fechou os olhos, permitindo que a música entrasse em seu ser.

Era assim que sempre acontecia. Aquilo sempre esvaziava sua mente das palavras, das pessoas e das cenas que geralmente a preenchiam. Quando ele tocava, era como se não houvesse nada além da música e do magnífico prazer de executá-la.

Certa vez, dissera a Delta que aquilo era como sexo, que tirava algo de você mas lhe dava o dobro em troca. E que quando terminava, era como se houvesse sido rápido demais.

No fundo do salão, Dulce também se deixou levar pelo ritmo suave e contagiante da música. Era diferente vê-lo se apresentar de simplesmente ouvi-lo tocar, com o som abafado atravessando as paredes do prédio. Vê-lo ali no palco era algo mais poderoso, mais excitante, quase como um apelo sensual.

Aquela música era um sonho. Do tipo perfeito para servir de fundo musical para um casal em pleno ato de amor. Deus, como ele tocava bem, pensou ela, mal contendo outro suspiro. Será que ele faria amor com aquela mesma intensidade? O pensamento provocou-lhe um arrepio pelo corpo.

Estava tão concentrada no que estava aconte­cendo no palco que não viu Delta se aproximar da mesa.

- Está gostando, meu bem?

- Hein? - Dulce levantou a vista, sorrindo com ar de distração. - Oh, é maravilhoso. Quero dizer, a música é maravilhosa. Causa uma espécie de nostalgia em mim.

Delta arqueou uma sobrancelha. A garota tinha um rosto lindo e até inocente. Não parecia ser a lunática que Christopher descrevera.

- Está bebendo ou apenas ocupando o lugar?

- Oh. - Dulce se deu conta de que um lugar como aquele se sustentava pela venda de bebidas. - Esta música pede um uísque - disse com outro sorriso. - Então vou tomar um uísque.

Delta arqueou a sobrancelha com mais ênfase.

- Você não parece ter idade suficiente para andar tomando uísque por aí, mocinha.

Dulce suspirou. Estava acostumada a ouvir aquele tipo de coisa. Sem dizer nada, abriu a bolsa e tirou seu documento de identidade.

Delta o examinou.

- Está bem, Dulce Maria Saviñon. Vou pegar seu uísque.

- Obrigada.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora