capítulo 16

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Christopher só estava conseguindo dormir por alguns breves cochilos. E estes eram invadidos por sonhos, sempre envolvendo Dulce de alguma maneira. Via-se em lugares es­treitos e era sempre como se ela o houvesse levado até ali. Então ela se aproximava e o sonho se tornava perigosamente erótico, fazendo-o acordar excitado e furioso ao mesmo tempo.

Também não estava conseguindo comer. Era como se nada o satisfizesse, como se nada pare­cesse tão saboroso como a refeição que os dois haviam compartilhado noites antes. Passara a se sustentar de café, até sentir seus nervos à flor da pele e o estômago queimando em protesto.

Mas estava conseguindo trabalhar. Quando suas emoções ficavam tumultuadas, seus surtos de cria­tividade se tornavam mais intensos. Era quase do­loroso ter de arrancar aqueles sentimentos de seu próprio coração, transferindo-os para as atitudes de seus personagens, mas era assim que ele trabalhava. Sempre fora. Arrancando seus próprios sentimentos e fazendo-os dar vida e personalidade àquelas pes­soas, por meio das palavras. Em sua mente, era como se já visse a peça sendo encenada no palco, com toda aquela avalanche de emoções sendo tro­cada entre os atores e o público.

A certa altura, Christopher lembrou-se do que Dulce havia lhe dito antes de fechar a porta. Que ele devia usar todas as emoções no trabalho, esque­cendo-se de aplicá-las à própria vida.

Ela tinha razão, e talvez fosse melhor assim. Para ele, havia muito poucas pessoas nas quais poderia confiar. Seus pais, sua irmã... Ainda que sua necessidade de atender às expectativas deles agisse em sua vida como uma faca de dois gumes.

Havia também Delta e André, amigos leais que não esperavam dele mais do que poderia oferecer. Mandy, que sempre lhe chamava a atenção nos momentos certos e que o ouvia quando ele preci­sava de alguém para desabafar.

Não precisava de mais ninguém. Muito menos de uma mulher que, de um momento para outro, poderia decepcioná-lo. Não passaria novamente por isso. Aprendera a lição da primeira vez e ainda mantinha muito vívidas na lembrança todas as conseqüências que as atitudes de Pamela haviam provocado em sua vida.

Com todas suas mentiras, decepções e traições, ela meio que o deixara imunizado quanto àquele tipo de armadilha sentimental. Uma lição dura como aquela, aprendida aos vinte e cinco anos, não era algo fácil de se esquecer na vida de um homem. Desde que percebera a tolice que era acre­ditar no amor, nunca mais perdera tempo procu­rando por ele.

Ainda assim, não conseguia parar de pensar em Dulce.

Tinha ouvido ela sair várias vezes naqueles úl­timos três dias. E também flagrara-se distraído com o som de risos, vozes e música vindos do apartamento dela. Dulce não estava sofrendo, dis­se a si mesmo. Então por que ele estava?

Sentimento de culpa, concluiu. Havia magoa­do uma pessoa especial, ainda que sua atitude não houvesse sido necessária ou intencional. Havia-se deixado levar pelo charme de Dulce, mesmo relutantemente. Não tivera intenção de magoá-la ou de fazê-la se sentir a pior das cria­turas. As lágrimas de uma mulher ainda surtiam um forte apelo em seu ser, por mais que ele sou­besse quanto elas podiam ser sinal de falsidade e de manipulação.

No entanto, as lágrimas Dulce não haviam lhe parecido falsas ou manipuladoras. Muito pelo contrário.

Por fim, convenceu-se de que não resolveria seu problema, enquanto não esclarecesse aquilo tudo de uma vez. Não havia se desculpado devidamen­te. Sim, iria pedir desculpas mais uma vez, agora que Dulce havia tido algum tempo para refletir sobre o que havia acontecido.

Não havia motivo para os dois se tornarem ini­migos, claro que não. Afinal, ela era neta de um homem que ele admirava e respeitava muito. Além disso, duvidava que Daniel MacGregor ficasse sa­tisfeito se soubesse que ele havia feito sua querida neta chorar. E a opinião de Daniel MacGregor im­portava muito para ele. Sempre importara.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora