capítulo 21

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O esquivo sr. Misterioso, agora conhecido como Quinn, encontrava-se em sua caverna, escrevendo um grande roteiro para o teatro americano. Com seu jeito irresistivelmente másculo e sexy, Quinn se encontrava tão concentrado em seu próprio mundo que estava alheio ao fato de Emily se encontrar escondida na saída de incêndio, uti­lizando um binóculo para tentar ler o que ele estava escrevendo.

Riu consigo, pois, à sua maneira, sabia que suas perguntas e indiretas sobre como estava indo a última peça de Christopher eram uma versão mais civilizada do voyeurismo de sua contraparte. Aos poucos, começou a esboçar os primeiros traços de sua interpretação profissional de Christopher.

Por uma questão de estilo, tinha de exagerar certos detalhes na aparência e nas atitudes dele. O porte alto, o corpo atlético, o rosto atraente e o olhar penetrante, tudo servia de base para seu trabalho. O lado bem-humorado das tiras vinha quase sempre do detalhe de ele não saber o que fazer com as coisas que Emily "aprontava".

Quando a campainha tocou, Dulce pôs o lápis atrás da orelha, em um gesto automático, imagi­nando que Anahí se esquecera de pegar a chave.

Ao se levantar, tomou um último gole de café, antes de se encaminhar para o andar de baixo.

- Já estou indo - falou, ao se aproximar da porta.

Ao abri-la, sentiu o coração acelerar e teve de se esforçar para conter um suspiro. Christopher estava com os cabelos úmidos do banho e sem camisa. "Ah, meu Deus, veja só esse peito...", pensou ela, mal resis­tindo ao impulso de passar a língua pelos lábios.

Ele estava trajando um jeans desbotado e se encontrava descalço. O rosto... Ah, aquela se­riedade sempre a encantava, embora parecesse intimidadora.

- Oi - cumprimentou-o, com um sorriso. - Ficou sem sabonete para o banho? Quer um emprestado?

- O quê? - Christopher franziu o cenho.

- Não, não é isso. - Ele se esquecera de que estava apenas parcialmente vestido.

- Quero lhe fazer al­gumas perguntas a respeito disso - declarou, mostrando o jornal.

- Claro. Entre. - Seria mais seguro, pensou Dulce. Anahí chegaria a qualquer momento, e pelo menos a impediria de "atacar" Christopher, em algum momento de fraqueza.

- Por que não se serve de uma xícara de café e sobe até meu estúdio? Estou trabalhando e o andamento dos quadrinhos está indo muito bem.

- Não quero atrapalhar, mas...

- Não vai atrapalhar - falou ela, por sobre o ombro, já começando a subir a escada.

- Há canela em*****em um potinho ao lado da cafeteira, se quiser pôr um em seu café.

- Eu...

"Oh, droga", pensou Christopher, indo se servir do café e decidindo pôr um pedacinho de canela na xícara.

Nunca havia subido aquela escada antes, pois nunca fora até ali enquanto Dulce estava trabalhando. Ao passar pela porta do quarto dela, ren­deu-se à curiosidade de parar um instante e olhar para a grande cama forrada com um lençol cor de marfim e cheia de almofadas brancas. Abaixo dos ferros trabalhados da cabeceira foi onde ele se imaginou segurando as mãos dela, enquanto finalmente fazia tudo que desejava fazer com ela.

O perfume feminino que vinha do quarto o fez respirar mais fundo. Um perfume adocicado e se­dutor, próprio de ambientes femininos. Ela man­tinha pétalas de rosas secas em uma tigela trans­parente, um livro sobre a mesinha-de-cabeceira e algumas violetas no peitoril da janela.

- Encontrou tudo?

Christopher se sobressaltou.

- S-sim. Ouça, Dulce... - Ele entrou no estúdio.

- Meu Deus, como consegue trabalhar com todo esse barulho?

Ela mal levantou a vista do papel.

- Que barulho? Ah, esse. - Pegou outro lápis e continuou desenhando, como que esquecida da­quele que se encontrava atrás de sua orelha.

- Gosto de ouvir música enquanto trabalho, mas passo a maior parte do tempo sem ouvir nada.

O aposento tinha uma aparência eficiente e cria­tiva, com suas diversas prateleiras repletas de ins­trumentos para desenho e pintura. Christopher reco­nheceu uma aquarela do amigo de Dulce pendu­rada em uma das paredes, e a elegância estilística da mãe dela em dois outros trabalhos pendurados na parede oposta.

Em um dos cantos, via-se uma escultura de me­tal de formato complexo, algumas violetas no pei­toril da janela e um confortável divã cheio de al­mofadas próximo a ela.

O modo como Dulce ocupava a sala, porém, não transmitia um aspecto de eficiência. Sentada à mesa de desenho, com as pernas cruzadas sob o corpo, exibindo parte dos pés com as unhas pin­tadas de cor-de-rosa, o lápis atrás de uma orelha e duas argolas de tamanhos diferentes na outra, ela era a própria imagem do inusitado. Perigosa­mente sexy, pensou Christopher.

Curioso, aproximou-se por trás de Dulce e espiou o que ela estava fazendo. Uma atitude que o deixaria furioso se fosse ele quem estivesse trabalhando.

- Para que servem todas essas linhas azuis? - perguntou a ela.

- Para marcar a escala e a perspectiva. Fazer isso requer alguns cálculos, antes de se começar o trabalho propriamente dito. Trabalho com tiras de cinco quadrinhos - explicou ela, sem parar de fazer os esboços.

- Costumo colocá-los no papel dessa maneira, trabalhar o tema da piada e de­senvolvê-lo de modo que ele tenha começo, meio e fim dentro dos cinco quadrinhos.

Christopher continuou observando em silêncio. Sa­tisfeita com o resultado do primeiro quadrinho, Dulce passou para o seguinte e continuou a falar:

- Primeiro faço esse tipo de esboço para ver se a idéia vai dar certo. É uma espécie de ensaio, para que eu tenha realmente certeza de que o tema poderá ser desenvolvido nos cinco quadri­nhos. Feito isso, começo a desenhar mais detalhes, antes de fazer o contorno final e de pintá-los.

Christopher franziu o cenho, observando o primeiro esboço com mais atenção.

- Por acaso, este sou eu?

- Hum... Por que não se senta? Está bloquean­do a luz.

- O que ela está fazendo ali? - Ignorando a sugestão, ele apontou o segundo quadrinho. - Está me espionando? Você está me espionando?

- Não diga tolices. Nem há uma saída de in­cêndio em seu quarto.

Ela olhou para o espelho e fez várias expressões faciais, antes de recomeçar a desenhar.

- E quanto a isso? - perguntou Christopher, mostrando o jornal a ela.

- Isso o quê? Puxa, seu perfume é maravilhoso - disse Dulce, voltando-se para ele e inalando seu perfume.

- Que sabonete é esse?

- Vai pôr esse sujeito tomando banho nos pró­ximos quadrinhos? - Quando Dulce apertou os lábios, como que considerando a questão, Christopher balançou a cabeça negativamente.

- Nem pensar. Achei até divertido quando você começou essa pa­ródia a meu respeito, mas...

Ele se interrompeu ao ouvir a porta da sala se abrir e fechar, no andar de baixo.

- Quem é? - perguntou a Dulce.

CONTINUA OU NÃO?

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora