capítulo 24

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Exatamente às sete e meia da noite, Dulce tirou do forno o assado que havia preparado. A mesa estava arrumada para dois, com mais velas e mais flores precisamente arrumadas. Uma salada de colorido exótico, feita com abacate e tomates ge­lava juntamente com o vinho.

Assim que eles degustassem a entrada, preten­dia surpreendê-lo com crepe de marisco. E se tudo saísse de acordo com o planejado, terminariam a refeição com champanhe gelado acompanhando framboesas frescas com creme. Na cama.

- Muito bem, Dulce.

Dizendo isso, tirou o avental e foi até o espelho para checar seu visual. Então calçou os sapatos novos, aplicou algumas gotas de perfume em pon­tos estratégicos e sorriu para seu próprio reflexo.

- Vamos capturá-lo.

Atravessou o corredor, tocou a campainha do apartamento de Christopher e ficou esperando, com o coração acelerado. Segundos depois, tocou mais uma vez.

- Como tem coragem de não estar em casa? - protestou em voz alta. - Como ousa? Não leu meu bilhete? Claro que deve ter lido. Eu não deixei bem claro que iríamos nos encontrar depois?

Com um resmungo, bateu a mão fechada contra a porta. Em seguida, respirou fundo e endireitou as costas.

- Eu disse que tinha planos. Ah, meu Deus, você não entendeu, não é, seu cabeça-dura? Planos para nós dois! Oh, droga.

Sem hesitar, trancou a porta de seu aparta­mento e, na falta de uma bolsa para guardar a chave, colocou-a dentro do sutiã. Então começou a descer a escada com passos firmes, em direção à saída do prédio.


- Está com algum problema afetivo, querido?

Christopher olhou para Delta, parando um instante para tomar um gole de água.

- Não estou com nenhum problema, muito me­nos afetivo.

- Ei, está falando com Delta, lembra-se? Sua velha amiga. - Ao longo dessa semana, em todas as noites em que o vi tocar, percebi que você estava tocando como se estivesse pensando em uma mu­lher. Hoje apareceu mais cedo, e está tocando como um homem que teve problemas com uma mulher. Por acaso discutiu com aquela garota?

- Não. Ambos temos mais o que fazer do que ficar discutindo.

- Ela ainda o está tirando do sério, não é? - Delta riu.

- Algumas mulheres exigem um pouco mais de romance do que outras.

- Isso não tem nada a ver com romance.

- Talvez seja justamente esse o seu problema. - Delta circundou o braço sobre os ombros dele, afagando-o com carinho. - Já comprou flores para ela? Disse que ela tem olhos lindos?

- Não. - Droga, já havia comprado flores para Dulce. Mas o receio de se desapontar o levara a se conter.

- O que sentimos um pelo outro é ape­nas atração física. Não tem nada de romântico - completou.


- Oh, meu querido. Se quiser realmente con­quistar uma mulher como Dulce, terá de ser ro­mântico, por mais que deteste a idéia.

- Por isso mesmo é que quero ficar bem longe dela. Quero continuar com minha vida simples. - Posicionando o sax, arqueou uma sobrancelha. - Agora vai me deixar tocar, ou quer me dar mais algum conselho a respeito da minha vida amorosa?

Delta balançou a cabeça negativamente, dando um passo atrás.

- Quando você realmente tiver uma vida amo­rosa, meu caro, pensarei em lhe dar conselhos.

Christopher recomeçou a tocar, enquanto ouvia a música em sua mente. Em seu sangue. No ritmo de sua pulsação. Como sempre, tocou a música com todo seu sentimento, mas não conseguiu im­pedir-se de continuar pensando em Dulce. Talvez acabasse se acostumando com isso, pensou. Com aquela constante fixação em querer saber o que Dulce estaria fazendo e pensando.

A música continuou a sair do sax feito o lamento de um homem desesperado.

Então ela passou pela porta. Seus olhos, cheios de segredos, encontraram os dele através da ne­blina do ambiente. O modo como ela lhe sorriu ao se sentar à mesa, fez as mãos de Christopher co­meçarem a suar. Ela umedeceu os lábios e deslizou o dedo indicador sobre a frente do vestido, em um gesto sensual.

Christopher ficou olhando, hipnotizado, enquanto, com movimentos provocantes, ela cruzava as per­nas esguias cobertas por sensuais meias de seda fumê. Depois, a maneira como ela deslizou a mão do joelho até o quadril era designada justamente a fazer o olhar de um homem acompanhar o mo­vimento. E foi o que ele fez, com a respiração alterada.


Ela continuou ouvindo a música e mantendo aquele brilho provocante no olhar. Quando as úl­timas notas ecoaram no ambiente, ela passou a língua sobre os lábios cobertos por um intenso batom vermelho.

Então Dulce se levantou e, sem desviar os olhos dos dele, passou a mão pelo quadril, girou sobre aqueles saltos arrasadores e se encaminhou para a saída. Antes de passar pela porta, porém, virou-se uma última vez para ele e lançou-lhe um convite silencioso com um mero arquear de sobrancelha.

O murmúrio que escapou dos lábios de Christopher, quando ele afastou o sax, foi de absoluta reverência.

- Não vai fazer nada, meu amigo?

Christopher começou a guardar o instrumento na maleta.

- Por acaso pareço idiota, André?

- Não. - O marido de Delta riu e continuou tocando o piano. - Definitivamente não.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora