Eu me lembro

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Eu nunca entendi o que eu estava fazendo neste mundo, o porquê da minha existência. Sabia que não era só eu que estava aqui, haviam outras criaturas, mas elas sempre se afastavam de mim. Tudo era azul, eu também não entendia porquê. Não sei quando eu nasci, não sei de onde e nem como, eu não lembro de nada disso. Mas eu me lembro de uma coisa.

De repente, eu subi. Fui lançado para o alto por alguma forca, e de repente nem tudo era mais tão azul. Era branco também. E eu podia ver verde. E eu podia ver você. Eu não entendi o que estava fazendo, mas só fiz. E após uma curta batalha você me capturou. Apesar de eu não saber, você sabia quem eu era. Mas só você. Ninguém sabia. Uns diziam que eu era um perigo. "Não Red, ele é perigoso demais! Você precisa deixá-lo comigo! Temos que estudá-lo!" O olhar do seu amigo professor era de um louco. E apesar de que eu talvez pudesse ser perigoso ou não, você não se importava. Você nunca deixou que me levassem. Você me disse que éramos amigos.

Lembro-me de você tentar me ensinar a lutar, mas eu era fraco, sempre perdia. Ou então, os outros Pokémon tinham medo de mim, assim como quando eu estav dentro d'água. Então raramente ganhava experiência.

Eu acho que nunca disse o quanto eu gostava de passar o tempo treinando com você. Eu queria ser seu amigo, eu queria estar com você e com o grupo. Eu tentei trocar de forma várias vezes... Usei suas lembranças. Mudava partes de mim para parecer mais "normal", mas só me tornava mais monstruoso quando tinha a cabeça de um Cubone, o corpo de um Ekans, asas de Scyther e as patas de um Parasect rodeados de pixels. E sem graça por sempre errar, voltava a ser um amontoado de erros gráficos policromático. Nunca fui bom nisso, mas gostava de te ver sorrindo.

Nós éramos amigos. Por que tudo deu errado?

Esses cabelos louros, esse boné... Ainda lembro desse cara. Ele te desafiou e você me escolheu, mas me trocou logo na hora pois só queria me dar experiência. Eu fiquei nervoso com a batalha, mesmo tendo vencido. Estava tremendo, um pandemônio de pixels ao meu redor. E dem perceber eu... Eu fiz alguma coisa.

Eu não queria.

Mas não pude evitar.

Um dos itens dele, uma pokébola, começou a se multiplicar em níveis absurdos e jorrava da mochila... Foi quando tudo começou. Ele contou a outros, que repassaram por toda Kanto. Logo, na nossa porta, haviam centenas de treinadores que vinham querendo que eu multiplicasse alguma coisa. Sua mãe estava aterrorizada com toda aquela gente, mas nunca te forçou a nada. Ela tinha medo que eles invadissem, que eles pudessem fazer alguma coisa, mas mesmo assim não te obrigou a me soltar ou fazer o que eles pediam. Ela entendia que nós éramos amigos. Mas eu sabia que você não aguentaria ver a sua mãe vivendo daquele jeito, porque dia após dia eles vinham e só aumentavam de número. Era só uma questão de tempo.

"POR AQUI! EU VI ALGUMA COISA!"

"RED ESTÁ ALI! NA FLORESTA! VAMOS!"

"ELE VAI FUGIR!"

Você fugiu pelos fundos, correu para a floresta. Charizard bramou, então deixamos os pôsteres para trás. Naquela noite saímos de Pallet Town para nunca mais voltar. Então viajamos para longe. Para além do continente, em busca de um lugar para nos escondermos. Você nos trouxe para cá pois sabia que poucos treinadores teriam coragem de explorar o Mt.Silver. Você achou algumas poções na caverna, provavelmente alguém as perdeu. Você pediu para que eu tentasse de novo. Eu tinha medo de ferir você, ferir o grupo mas... Você confiava em mim. E então eu multipliquei as poções. Não precisávamos mais ir ao Centro Pokémon.

E por muitos dias, esperamos...

O verão estava no vim, logo a montanha se vestiria de neve. Exploramos o novo lar e nos estabelecemos bem. Mas o mundo não nos esqueceu.

Nos jornais, as notícias do seu desaparecimento. Sempre a primeira página, sempre sobre nós. Eu finalmente aprendi a manter uma forma estável. Usei as lembranças dos seus primeiros Pokémon, um bem comum para que ninguém pudesse suspeitar nada. Como Pidgey, as vezes servia de pombo correio, entregando cartas, encomendas e outras coisas. Conseguíamos comida e outros itens de casa com aquele seu amigo professor. Ele escrevia várias cartas. Algumas eram avisos e conselhos, outras eram recortes de jornal, outras eram simples palavras de amigo.

"Continue escondido. Eles ainda estão te procurando."

"Sua mãe está bem, Red. Não se preocupe com ela."

"Espero que tenha gostado do cobertor. Estamos com saudade."

Passamos muito tempo vivendo na caverna. Pelo menos estávamos juntos e tínhamos um estoque de comida para toda a vida. Mas mesma notícia todos os dias, ainda estavam te procurando. Você estava preocupado. Você amava seus Pokémon e sabia que eles não deviam estar escondidos como criminosos.

Mas agora, já se passaram meses...

Me pergunto se já nos esqueceram.

Eu espero que não,

Precisamos de ajuda.

- Faz meses que eu não tenho notícias. Mas sei onde ele pode estar. - O seu amigo professor dizia a um garoto em seu laboratório, eu espiava como um Pidgey - Gold, campeão da liga, eu preciso da sua ajuda para localizar Red no Monte Silver!

- Não se preocupe, eu vou achá-lo! - O garoto, Gold, respondeu.

Já perto do Monte Silver, ele começava a se aproximar da caverna.

- Não acredito que nunca tinha vindo aqui antes... - Falou na entrada da caverna - Bem, e lá vamos nós!

Este garoto anda pela caverna com bravura. Eu nunca o vi antes.

Temo por nós.


Temo por você.

Pokémon Número PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora