Capítulo Único

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Eu não vi quando ela se aproximou, não vi quando suas mãos entraram pela minha blusa, não vi quando deixei que ela me tocasse.

Não que eu seja de todo inocente, porém, dessa vez, especialmente dessa vez, eu podia me considerar livre de qualquer culpa.

Animais enjaulados normalmente se tornam mais ferozes, entretanto esse ditado não serve para mim. Mesmo que tenha sido aprisionada em minha própria casa, sob padrões de ética, educadores e empregados, não me tornei mais arisca. Pelo contrário, adoeci.

Desenvolvi uma espécie de fobia do mundo, do além da porta. Conformei-me com a solidão, fui domesticada.

Infelizmente, tudo naquele dia já havia começado errado. O sol estava brilhante, convidativo como nunca, e, na TV, eu vi o anúncio de uma feira cultural. Interessei-me em conhecer aquilo que só havia visto através de livros. A curiosidade me deixou inquieta, andando pelos quartos e andares da casa.

Era sábado, meu marido, como de costume, não estava em casa; os seguranças estavam na cozinha ou correndo atrás da minha rebelde filha. Tudo conspirava para que eu desse passos para fora daquele mundo. E eu o fiz.

Em poucos minutos já estava na rua, perdida, pedindo informações a policiais, às mulheres com crianças, a todos que me inspiravam confiança. Já escurecia, eu já havia visto toda a feira e foi nesse momento que eu a encontrei.

Os olhos verdes e o cabelo rosa atraíam a atenção dos últimos visitantes, ela os seduzia com muito pouco, de forma eficiente. Com isso, vendia alguns itens da cultura japonesa, discursava sobre tipos de comida, épocas, samurais, ninjas, sobre tudo que lhe perguntavam.

— Se interessou por algo? — ela perguntou doce.

Os lábios rosados, delicados. A face gentil.

Eu vi as mãos finas passarem sugestivamente sobre as mercadorias, como se me mostrasse aquilo de que ela havia se referido.

Eu ainda estava admirada com aquela figura... exótica, para poder falar alguma coisa.

Ela franziu o cenho, como se me analisasse, e voltou a repetir:

— Se se interessar ou quiser ver, é só me chamar. — ela sorriu. — Sou Sakura.

Eu pisquei, vendo o cabelo rosa, curto, ser alisado por suas mãos.

— Sakura?

Eu estranhei o nome, fazendo-a rir. Um riso suave, leve, harmonioso.

— Todos os londrinos fazem essa mesma cara ao ouvir meu nome. Significa flor de cerejeira — ela explicou, aproximando-se.

Ela pegou uma flor que estava sobre o balcão, cheirou e ficou perto do meu corpo, elevando o braço, prendendo a pequena flor no meu cabelo.

Senti seu perfume, um leve aroma que me arrepiou. Minhas bochechas esquentaram, a respiração dela se chocando contra minha face não ajudava muito. Eu abaixei a cabeça, desviando do olhar avaliativo que recebia. Ela sorriu de canto, segurando meu queixo entre os dedos.

— Ficou uma graça.

Depois disso, me perdi.

Não é como se eu fosse ingênua, posso até ser em alguns quesitos, mas eu sabia o que ela queria. Eu entendi o que ela quis dizer sobre aprender mais sobre sua cultura, convidando-me até sua casa, eu havia visto o olhar malicioso que hora ou outra ela depositava em mim.

— E você? Não me falou seu nome — ela disse rindo, abrindo a porta da geladeira de sua cozinha, servindo o vinho em duas taças.

— Hinata.

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