Inocência

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Dizem que gays simplesmente nascem gays, e que não é uma escolha pessoal. Não é uma roupa que você escolhe usar em um dia qualquer, ou um chapéu que desfila em sua cabeça por estar na moda. Na verdade acho que eu nunca entendi a diferença entre o que escolhemos e aquilo que já nasce destinado a ser.
Aquela era uma fase de inocência. Eu não sabia de nada, apenas estava onde me mandavam estar, fazia o que me mandavam fazer, acreditava naquilo em que me falavam que era o melhor pra mim. O que mais eu poderia esperar aos meus 14 anos?

Naquela época tudo parecia correto, tudo parecia estar em seu perfeito lugar. Minha mãe trabalhava, eu estudava, íamos a igreja todo domingo, éramos felizes. Ou pelo menos tentávamos ser na medida do possível. Minha mãe trabalhava em dois empregos para manter as contas em dia, morávamos em um pequeno apartamento em um bairro modesto, em uma cidade simples no interior do estado. Éramos só nós dois, sempre fomos. Meu pai, eu não tenho muita certeza, mas acho que foi embora para um outro estado e nem sabe da minha existência. Minha mãe não gosta de tocar no assunto, acho que é uma parte da vida dela que ela quer apagar. Não entendia isso de querer esquecer coisas que aconteceram, afinal fazem parte da nossa história.

Eu estava no primeiro ano do ensino médio, e devo confessar que minha rotina era extremamente puxada. Minha mãe fazia questão de se certificar que eu estava aproveitando todas as oportunidades para aprender o máximo de habilidades possíveis. Então além de ir a escola, eu também tinha aulas de piano, inglês, informática, cursos profissionalizantes, workshops e etc. E eu até que dava conta, viu! Estudava quase todos os dias, menos de domingo que era dia de ir a igreja.

Eu gostava da igreja. Aprendíamos muitas coisas, muitas histórias e significados. Por gostar tanto eu sempre me prontificava a realizar todas as atividades, e a ajudar no que fosse preciso.
Um dia eu estava lá logo cedo para ajudar a carregar o caminhão de doações que arrecadamos em uma de nossas campanhas solidárias, e acho que peguei uma caixa grande demais. Achei que conseguiria levar, mas não dei conta. Quando estava prestes a cair com a caixa e tudo, senti uma mão sobreposta a minha dando apoio para suportar o peso da caixa.

- Na próxima vez me chama que eu te ajudo a carregar! - disse a pessoa que me ajudara.

- Ufa, obrigado! Por pouco que não derrubo tudo. - respondi em um tom de felicidade.

Pelo tamanho da caixa eu não conseguia enxergar quem estava me ajudando, mas aquela voz eu conhecia muito bem, era Max.

- Pra falar a verdade eu te chamei, mas você disse que não estava afim. - respondi em um tom irônico. E de fato ele não estava afim. Max era desses caras que só age de acordo com o momento, e não gosta de planos e compromisso agendados, é daqueles que vive o momento. Max era meu amigo desde que eu era bem pequeno, nos conhecemos na igreja, sua mãe era uma das lideres do grupo de apoio comunitário. Eu tinha outros amigos na igreja, mas acho que Max era o mais próximo a mim. Não sei bem dizer o motivo, acho que talvez por que ele também era músico.

- Então devia ter pego uma caixa menor, não é? Não estarei aqui o tempo todo pra te salvar. - disse Max com o mesmo tom de desapego de sempre. Naquela época ele não sabia, mas de fato Max não estaria comigo o tempo todo, principalmente para me salvar.

Max foi o primeiro amor da minha vida, e talvez o único que me fez sentir sentimentalmente dependente de alguém. Sabe aquele sentimento que te impede de sentir o chão que você pisa, o ar que você respira e te faz acreditar que tudo o que importa é viver aquele momento? Era assim que me sentia toda vez que estava perto de Max. E posso dizer que ficamos muito tempo juntos, pois éramos melhores amigos. Amigos desde nossa infância. Max era 2 anos mais novo do que eu, mas isso não era problema na hora de compartilhar momentos juntos, éramos como irmãos, ou talvez mais que irmãos.

A minha vida ia bem até que os primeiros sinais de adolescência começaram a surgir, e não digo sinais físicos, mas sim os mentais e psicológicos. Pensamentos, necessidades, curiosidades e muito mais e tudo de uma só vez. Mas eu sempre guardei tudo só pra mim, porque sempre fui bom em lidar com os meus próprios pensamentos e vontades até então, e um dia isso mudou.

Eu estava na casa do Max, era um sábado. Eu ia dormir lá porque no dia seguinte íamos pra igreja juntos na escola dominical. Tínhamos uma apresentação musical pra fazer na igreja então fui para casa dele ensaiar. E ensaiamos a tarde toda, e no final da noite os pais dele trouxeram pizza para jantar. Max tinha um irmão mais velho chamado Rodrigo, naquela época ele devia ter uns 17 anos, mas naquela noite Rodrigo não estava em casa, aparentemente ele foi dormir na casa de um outro amigo. E então chegou a hora de dormir, Max estava na cama dele e eu em um colchão no chão, e como de costume nós conversávamos muito antes de finalmente dormir, e naquela noite o papo era sobre o dia seguinte, tinha muita coisa a ser feita na igreja e estávamos repassando nossas atividades. Foi quando ele finalmente concluiu:

- Nossa você tem bastante coisa pra fazer amanhã! - De fato eu acumulava mais funções do que os outros, mas não era problema pra mim.

- Pois é eu tenho. Mas eu dou conta! Gosto de ajudar a nossa igreja.

- Você se importa se eu acompanhar você nessas tarefas, eu sei que são muitas, e que você não precisa da minha ajuda, mas eu quero estar com você, o que eu quero dizer é se eu posso ficar com você? - Percebi um tom estranho nessa pergunta, mas como a maioria das coisas com Max eram zoação, então não me importei e respondi:

- Claro que pode! - Então ele se jogou de sua cama em cima de mim e tentou me beijar. Eu considerei aquilo como mais uma das brincadeiras dele, e tentei desviar, como em uma luta. Mas tinha algo de diferente ali, o olhar dele que sempre mostrava alegria, agora mostrava mistérios, me mostrava um universo que eu não conhecia, mas me instigava a conhecer, e como se eu estivesse hipnotizado o meu corpo cedeu, e parei de lutar contra ele. E lá estávamos ele em cima de mim, trocando olhares misteriosos, sentindo a respiração um do outro, suas mãos seguravam os meus ombros, e muitas dúvidas passavam pela minha cabeça, e imagino que pela dele também. Então ele começou a aproximar lentamente o seu rosto do meu, e eu deixei que ele se aproximasse, não lutei. O nariz dele tocava o meu, com seus olhos tão próximos aos meus, eu pude ver que no fundo ele escondia um desejo, por algo que ele não tinha, e talvez racionalmente não quisesse, mas naquele momento o instinto falava mais alto. Ficamos assim por muito tempo, e eu não me sentia capaz de tomar nenhuma atitude, ele me causava aquilo, dúvidas. E por um instante, alguns segundos, seus lábios encontraram os meus. Foram os segundos mais longos da minha vida.
Ele levantou, voltou a sua cama, disse boa noite e o silêncio reinou. Não fui capaz nem de responder, muitas dúvidas e sentimentos corriam na minha mente e eu não sabia como lidar.

No dia seguinte quase não nos falamos, apenas seguimos o protocolo. Acordamos, fomos a igreja, nos apresentamos, e depois que a escola dominical acabou eu ainda tinha minhas tarefas para fazer, e ele foi embora e não ficou comigo.

A partir desse dia minha vida mudou, a inocência existia como máscara para que ninguém soubesse que por dentro eu era dúvidas e desejos.


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