Lembro-me de ti, meu amor, como se tivesse sido esta tarde que entrelaçaste o teu braço no meu como qualquer casal num passeio de domingo que se havia tornado rotineiro após tantos anos de relação. Quem nos visse não adivinhava que não éramos um casal e que nos aproveitávamos da noite para esconder o nosso amor.
Sinto falta do teu aroma nas tuas cartas e da tua caligrafia que me causava dificuldade decifrar. Uma vez, estava eu nesta mesma mesa em frente a esta mesma janela, quando o carteiro apareceu. Corri para a porta na esperança de te encontrar entre as palavras que me aqueciam o coração de cada vez que aquela infernal campainha tocava. Eras tu, sempre tu, frio e direto. Sem qualquer tipo de saudação como se cada tinta gasta a mais fosse o maior desperdício a que já havias assistido, frases claras e curtas, sem grandes rodeios. Organizadas de forma tão harmoniosa que qualquer outro poeta te invejaria. E eu invejava. Tenho saudades, meu amor, do tempo em que te tinha comigo, do tempo em que fazíamos qualquer um crer que éramos de facto um casal. Uma vez, num jardim cujo nome não me recordo, numa das nossas viagens pela europa, disseste -me "minha querida, a saudade é uma tontice, saudade é para que nunca soube viver", no momento ri-me ciente de que iria sentir saudades daquele local como sentia de todas as nossas viagens sempre que voltávamos a casa. Agora entendo. Entendo e reformulo, saudade é na verdade uma tontice, mas para aqueles que viveram da melhor forma e da qual só lhes resta a memória.