Capítulo 6 ♡

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6 de março de 2001

Hoje minha mãe olhou pra mim com olhos curiosos e perguntou com um tom
imponente em que eu andava pensando tanto naqueles dias.
- Na escola - respondi com um suspiro -estou cheia de trabalhos.
Meu pai continuava a enrolar o espaguete no garfo, levantando os olhos para
poder ver melhor o telejornal com as últimas reviravoltas da política italiana. Enxuguei
a boca na toalha, manchando-a de molho; escapei correndo da cozinha enquanto minha
mãe continuava a berrar que eu não tenho respeito por nada nem ninguém, que na minha
idade ela já era responsável e, em vez de sujar, já lavava as toalhas.
- Tá bom, tá bom - gritava eu do outro quarto. Desfiz a cama e enfiei-me
debaixo das cobertas, molhando os lençóis com minhas lágrimas. O cheiro de amaciante misturava-se com o odor estranho do muco que escorria
do meu nariz, que enxuguei com a palma da mão, secando também as lágrimas. Fiquei
olhando o retrato pendurado na parede que um pintor brasileiro tinha feito de mim em
Taormina, um tempo atrás. Ele tinha me parado na rua quando eu passei, dizendo:
- Você tem um rosto tão bonito, deixa eu te desenhar. Eu faço de graça, sério...
E enquanto seu lápis traçava linhas sobre a folha, seus olhos brilhavam e sorriam
no lugar da boca que, ao contrário, permanecia fechada.
- Por que você acha que eu tenho um rosto bonito? - perguntei enquanto posava.
- Porque ele exprime beleza, candura, inocência e espiritualidade - respondeu ele
com gestos largos da mão.
Embaixo das cobertas, voltei a pensar nas palavras do pintor e depois na manhã
anterior, quando perdi aquilo que o velho brasileiro tinha achado de tão especial em
mim. Perdi entre uns lençóis frios demais e as mãos de alguém que devorou o próprio
coração, que já não bate mais. Morto. Eu pelo menos tenho um coração, diário, mesmo
que ele não perceba, mesmo que ninguém nunca perceba. E antes de abri-lo, vou
entregar meu corpo a qualquer homem por dois motivos: porque, saboreando-me, talvez
ele sinta o sabor da raiva e da amargura e por isso pode sentir um pouco de ternura, e
depois porque vai se apaixonar pela minha paixão até não poder mais passar sem ela. Só
depois disso é que me entregarei completamente, sem enrolação, sem obrigações, para
que nada daquilo que eu sempre desejei se perca. Vou apertá-lo entre os meus braços e
farei com que cresça como uma flor rara e delicada, atenta para que um sopro de vento
não o estrague de repente, juro.
9 de abril de 2001
Os dias estão melhores, a primavera este ano explodiu sem meias-medidas. Um
belo dia, acordei com as flores desabrochadas e o ar mais quente, enquanto o mar
recolhia o reflexo do céu, tornando-se intensamente azul. Como todo dia de manhã,
pego o scooter para chegar à escola; o frio ainda é penetrante, mas o sol promete no céu
que mais tarde a temperatura vai subir. Destacam-se no mar os Rochedos que Polifemo
jogou contra Ninguém, depois que este o cegou. Estão enterrados no fundo do mar,
sabe-se lá há quanto tempo, e nem as guerras, nem os terremotos, nem sequer as
violentas erupções do Etna conseguiram afunda-los. Eles se erguem imponentes sobre a
água, e minha cabeça pensa em quanta mediocridade e quanta pequenez podem existir
nesse mundo. Nós falamos, nos movemos, comemos, realizamos todas as ações que
para um ser humano são obrigatórias, mas, ao contrário dos Rochedos, não estamos
sempre no mesmo lugar, do mesmo modo. Nós deterioramos, diário, as guerras nos
matam, os terremotos nos destroem, a lava nos engole e o amor nos trai. E nem somos
imortais: mas talvez isso seja um bem, não?
* Referência ao episódio narrado no livro IX da Odisséia de Homero: Ninguém é o nome que
Ulisses dá ao ciclope Polifemo, de modo que este, cujo olho Ulisses furou enquanto dormia, ao pedir
auxílio a outros ciclopes, diz a eles que ninguém o atacou, e não obtém ajuda (Homero, Odisséia,
tradução de Odorico Mendes, Editora Martin Claret: São Paulo, 2003). (N. da T.)*
Ontem os rochedos de Polifemo ficaram nos olhando enquanto ele se movia
convulsivamente sobre o meu corpo, não dando a mínima para meus arrepios de frio e
para os meus olhos olhando para longe, para o reflexo da lua na água. Fizemos tudo em
silêncio, como sempre, da mesma forma, toda vez. O rosto dele afundado atrás dos
meus ombros e o seu hálito no meu pescoço, não quente, frio. Sua saliva molhava cada
centímetro da minha pele como se uma lesma lenta e preguiçosa deixasse um rastro
viscoso. E sua pele já não lembrava a pele dourada e suada que eu beijei numa manhã
de verão; seus lábios não tinham mais gosto de morango, não tinham sabor algum. No
momento de me oferecer a sua poção secreta, ele emitiu o costumeiro arquejo de prazer,
cada vez mais parecido com um grunhido. Afastou-se do meu corpo e estendeu-se na
toalha ao lado da minha, suspirando como se estivesse se livrando de um peso
insuportável. Apoiando o corpo de um lado, observei as curvas de suas costas,
admirando; esbocei uma lenta aproximação da mão, mas retirei o gesto de repente, com
medo da reação dele. Continuei a olhar para ele e para os rochedos durante muito
tempo, um olho nele, outro neles; depois, deslocando o olhar, percebi a lua no meio do
caminho e olhei para ela encantada, semicerrando os olhos para focar melhor sua
redondeza e sua cor indefinível.
Girei de repente, como se tivesse subitamente compreendido alguma coisa, um
mistério antes inatingível:
- Eu não te amo - sussurrei baixinho, como para mim mesma.
Não tive nem o tempo de pensar.
Ele se virou devagar, abriu os olhos e perguntou:
- O que foi que você disse?
Fiquei olhando para ele com o rosto parado, imóvel, e com voz mais alta disse:
- Eu não te amo.
Ele franziu a testa, e suas sobrancelhas se juntaram. Então ele gritou:
- Mas quem te perguntou alguma coisa, porra?
Ficamos em silêncio e ele se virou de novo de costas; ao longe ouvi fecharem a
porta de um carro e depois as risadinhas de um casalzinho. Daniele se virou na direção
deles e, incomodado, foi dizendo:
- Que merda que eles querem?... Por que não vão trepar em outro lugar e me
deixam dormir em paz?
- Talvez eles também tenham o direito de trepar onde quiserem, não? - falei
observando o brilho do esmalte transparente sobre as unhas.
- Olha só, gatinha... você não tem nada que dizer o que os outros podem ou não podem fazer. Sou eu que decido, sempre eu, até sobre você, sempre fui eu quem decidiu
e sempre vou ser eu.
Enquanto ele falava, eu me virei, incomodada, estendendo-me na toalha úmida;
ele me sacudiu os ombros com raiva, fazendo sons indecifráveis entre os dentes. Eu não
me mexi, todos os músculos do meu corpo estavam parados.
- Você não pode me tratar assim! - gritava ele. Não pode se lixar pra mim...
quando eu falo, você tem que ouvir e não se atreva a virar de costas outra vez,
entendeu?
Então eu girei de repente, agarrei os pulsos dele e senti como eram fracos sob as
minhas mãos. Senti pena dele, senti meu coração apertado.
- Eu ficaria horas e horas te ouvindo se você falasse comigo, se você me desse
uma chance - falei mansamente.
Vi e senti seu corpo se relaxando, seus olhos se apertando e se voltando para
baixo.
Ele estava aos prantos e cobriu o rosto com as mãos de vergonha; depois se
deitou novamente sobre a toalha, e com as pernas encolhidas parecia mais ainda um
menino indefeso e inocente.
Dei-lhe um beijo no rosto, dobrei a toalha silenciosa e atentamente, recolhi todas
as minhas coisas e fui andando devagar até o casalzinho. Estavam abraçados, cada um
dava um cheiro no pescoço do outro; fiquei parada um tempinho olhando e no meio do
leve rumor das ondas do mar ouvi um "eu te amo" sussurrado.
Eles me levaram até em casa, eu agradeci pedindo desculpas pela interrupção,
mas eles me tranqüilizaram, dizendo que estavam felizes em poder ajudar.
Agora, diário, estou me sentindo culpada. Deixei-o na praia úmida chorando
lágrimas duras e penalizadas, fui embora como uma covarde e deixei que ele se ferisse.
Mas fiz tudo isso por ele, e por mim também. Muitas vezes ele me deixou chorar e, em
vez de me abraçar, me mandou embora rindo de mim; agora não vai ser nenhum drama
para ele ficar sozinho. E para mim também não.

30 de abril de 2001

Estou feliz, feliz, feliz! Não aconteceu nada para que ficasse assim, mas estou.
Ninguém nunca me telefona, ninguém me procura e no entanto eu transpiro alegria por
todos os poros, estou tão contente que nem parece verdade. Expulsei todas as paranóias,
não sinto mais a ansiedade de esperar por um telefonema dele, nem mais aquela
angústia de senti-lo se descarregando em cima de mim sem dar a mínima para o meu
corpo e para mim. Não preciso mais contar mentiras para minha mãe quando, voltando
sabe-se lá de onde, ela me perguntava onde é que eu tinha estado. E eu respondia
pontualmente com alguma babaquice: no centro bebendo uma cerveja, no cinema ou no teatro. E antes de adormecer fantasiava pensando o que teria feito se tivesse ido
realmente àqueles lugares. Teria me divertido, com certeza, teria conhecido gente, teria
tido uma vida que não fosse apenas escola, casa e sexo com Daniele. E agora eu quero
essa outra vida, não importa quanto tempo seja preciso, agora eu quero alguém que se
interesse por Melissa. A solidão talvez esteja me destruindo, mas já não me dá medo. Eu
sou a melhor amiga de mim mesma, eu nunca iria me trair, me abandonar. Mas talvez
me machucasse, me machucar talvez sim. E não porque isso me dê prazer, mas porque
quero me punir de alguma maneira. Mas como é que faço para me amar e me punir ao
mesmo tempo? É uma contradição, diário, eu sei. Mas nunca o amor e o ódio estiveram
tão perto, tão cúmplices, tão dentro de mim.

7 de julho de 2001
12h38 da noite

Hoje eu o vi de novo e, mais uma vez, espero que seja a última, ele tripudiou dos
meus sentimentos. Tudo começou como sempre, e acabou da mesma maneira. Eu sou
uma estúpida, diário, não deveria ter permitido que ele se aproximasse outra vez.

5 de agosto de 2001

Acabou, para sempre. E fico feliz em dizer que eu não acabei, pelo contrário,
estou recomeçando a viver.

11 de setembro de 2001
15h25

Talvez Daniele esteja vendo as mesmas imagens na TV, as mesmas que estou vendo.
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