Capítulo 11 ♡

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20 de dezembro de 2001

Tempo de presentes e de falsos sorrisos, de moedinhas jogadas, com uma bela
dose momentânea de boa consciência, entre as mãos dos ciganos com os filhos nos
braços na beira das calçadas. Eu não gosto de comprar presentes para os outros; compro
sempre, mas só para mim mesma, talvez porque não tenha ninguém a quem possa dá-
los. Hoje à tarde saí com o Ernesto, um cara que conheci num chat. Ele logo me pareceu
simpático, trocamos telefone e começamos a nos encontrar como bons amigos, embora
ele seja meio distante, preso pela universidade e por suas misteriosas amizades.
A gente sai muito para fazer compras e não me envergonho quando entro com
ele em alguma loja de lingerie, onde, aliás, ele compra bastante.
- Para a minha nova namorada - diz ele. Mas nunca me apresentou nenhuma.
Com as vendedoras ele parece ter intimidade, logo se chamam pelo nome e riem
juntos. Eu remexo entre os cabides procurando as roupas que usarei para aquele que
conseguir me amar. E guardo todas elas bem dobradinhas dentro da primeira gaveta da
cômoda, intactas.
Na segunda gaveta, as roupas íntimas que uso nos encontros com Roberto e seus
amigos. Meias compridas gastas pelas unhas deles e calcinhas de renda um pouco
esgarçadas, com fios de algodão pendentes porque foram esticados demais por mãos
sedentas. Eles não ligam, para eles basta que eu seja safada.
No começo, eu comprava sempre lingerie de renda branca, tomando cuidado
para combinar direito.
- O preto ficaria melhorem você - me disse Ernesto certa vez -,combina mais
com as cores do rosto e da pele.
Segui o conselho dele e agora só compro renda negra.
Fico olhando pra ele, interessado em fios dentais coloridos, dignos de uma
dançarina brasileira: rosa choque, verde, azul elétrico. Quando ele quer parecer sério,
compra vermelho...
- Devem ser bem esquisitas essas suas namoradas - comento.
Ele ri e diz:
- Não tanto quanto você - e meu ego fica novamente inchado. Os sutiãs são quase todos com enchimento e ele nunca combina com as
calcinhas, prefere misturar cores completamente inacreditáveis entre si.
Depois as meias: as minhas quase sempre do tipo que seguram sozinhas, opacas,
com a parte elástica em renda, rigorosamente negras para contrastar com a brancura
invernal da minha pele. Ele compra meias tipo arrastão, bem longe do meu gosto.
Quando gosta de alguma menina mais que das outras, Ernesto mergulha no meio
da multidão das lojas de departamentos e compra roupas brilhosas enfeitadas com
paetês multicoloridos, com decotes vertiginosos e cortes audaciosos.
- Quanto é que a moça cobra por hora? - brinco.
Ele fica sério e vai pagar sem responder. Eu fico culpada e paro de bancar a
boba.
Hoje, enquanto passeávamos entre as lojas iluminadas e as vendedoras azedas e
jovens, a chuva nos surpreendeu, molhando as bolsas de papel grosso que segurávamos.
- Vamos pra baixo de um pórtico! disse ele alto, agarrando minha mão.
- Ernesto! - disse eu no meio do caminho, meio impaciente, meio divertida. -
Não tem pórtico nenhum na via Etna!
Ele me olhou paralisado, deu de ombros e exclamou:
- Então vamos para a minha casa! - Eu não queria ir, tinha descoberto que
Maurizio, amigo de Roberto, morava no mesmo prédio que ele. Não queria vê-lo e
menos ainda que Ernesto descobrisse aquelas minhas atividades secretas.
Do lugar em que estávamos, a casa dele ficava a algumas centenas de metros,
que percorremos com passo rápido, de mãos dadas. Foi ótimo correr com alguém sem
ter que pensar que logo em seguida teria que me deitar numa cama e me abandonar sem
limites. Gostaria, para variar, que fosse eu a decidir: quando e onde fazer, durante
quanto tempo, com quanto desejo.
- Tem alguém em casa? sussurrei subindo as escadas, com um eco que
ribombava.
- Não - respondeu ele ofegante ,foram todos para casa durante as férias. Ficou só
o Gianmaria, mas hoje ele também não está. Satisfeita, fui seguindo, olhando-me de
esguelha no espelho da parede.
A casa dele é quase vazia e a presença de quatro homens é visível: tem um
cheiro ruim (é, aquele cheiro oprimente de esperma) e a desordem parece encher os
quartos.
Atiramos as bolsas no chão e tiramos os casacos ensopados.
- Quer uma camiseta emprestada? Só o tempo das roupas secarem.
- Tá, obrigada - respondi.
Ao chegar ao seu quarto-biblioteca, ele abriu o armário com um certo temor e,
antes que estivesse completamente aberto, pediu-me que fosse buscar os pacotes.
Quando voltei, ele fechou depressa o armário e eu, divertida e molhada,
exclamei:
- O que tem aí? As suas mulheres mortas?
Ele sorriu e respondeu:
- Mais ou menos.
Fiquei curiosa com a forma como ele respondeu e, para evitar que eu fizesse
mais perguntas, ele disse arrancando as bolsas das minhas mãos:
- Deixa eu ver, anda! O que foi que você comprou, menina?
Abriu com as duas mãos o papelão molhado e enfiou a cabeça lá dentro como
um menino recebendo seu presente de Natal. Seus olhos brilhavam e, com a ponta dos
dedos, ele extraiu de lá umas calcinhas pretas.
- Oba! O que você faz com isso, hein? Para quem usa isso? Duvido que seja para
ir à escola...
- Todo mundo tem os seus segredos... - falei, irônica, consciente de despertar
suspeitas.
Ele me olhou espantado, inclinou um pouco a cabeça para a esquerda e disse
suavemente:
- É mesmo?... Vamos ver isso, que segredo é esse que você tem?
Estou cansada de guardá-lo dentro de mim, diário. Contei para ele. Seu rosto não
mudou de expressão, ficou com o mesmo olhar encantado de antes.
- Você não vai falar nada? perguntei incomodada.
- A decisão é sua, menina. Só posso te dizer para ir devagar.
- Tarde demais - falei, num tom de falsa resignação.
Tentando esconder a vergonha, ri bem alto e disse com voz alegre:
- Bem, bonitinho, agora é a vez do seu segredo.
A palidez dele pegou fogo, os olhos se moviam rápidos por todo o quarto,
incertos.
Levantou do sofá de flores desbotadas e dirigiu-se em grandes passos para o
armário. Abriu uma porta com um gesto violento, indicou com um dedo as roupas
penduradas e disse:
- São minhas.
Eu reconheci as roupas, tínhamos comprado juntos e estavam penduradas sem
etiqueta e visivelmente usadas e amassadas.
- O que você quer dizer com isso, Ernesto? - perguntei baixinho.
Os movimentos dele ficaram mais lentos, os músculos relaxaram e os olhos
olhavam para o chão.
Compro esses vestidos para mim mesmo. Eu uso e... trabalho com eles.
Eu também não fiz nenhum comentário, na realidade não pensava em nada. Mas,
um segundo depois, todas as perguntas vieram à minha cabeça: trabalha? Como assim,
trabalha? Onde trabalha? Por quê?
Ele começou, sem que eu tivesse perguntado nada.
- Gosto de me travestir de mulher. Comecei alguns anos atrás. Me fecho no
quarto, ponho uma câmera apontada para a mesa e me visto. Eu gosto, me sinto bem.
Depois me observo na tela e... bem... me excito... E algumas vezes me exibo na
webcam, se alguém pedir - um rubor espontâneo e forte quase o engolia.
Silêncio geral, só o barulho da chuva que chovia céu abaixo, formando delicados
fios metálicos que se encadeavam.
- Você se prostitui? - perguntei sem meias palavras.
Ele confirmou, cobrindo imediatamente o rosto com ambas as mãos.
- Meli, eu só faço serviços de boca, pode acreditar, mais nada. Tem uns que me
pedem para... quer dizer, uns veados, mas eu juro, juro que não faço... É para pagar
meus estudos, você sabe que meus pais não podem... ele queria continuar, arrumar mais
alguma justificativa. Mas eu sei que ele gosta.
- Não estou te censurando, Ernesto - falei depois de um tempinho observando
atentamente a janela na qual gotinhas brilhavam nervosas.
- Olha... cada um escolhe a própria vida, você mesmo disse isso ainda há pouco.
Às vezes os caminhos tortos também podem ser certos, e vice-versa. O importante é a
gente seguir a gente mesmo e os nossos sonhos, porque só assim pode dizer que
escolheu o melhor. E então, agora eu queria saber por que você faz isso, de verdade. Eu estava sendo hipócrita, sei disso.
Ele me olhou com olhos meigos e cheios de perguntas e depois falou:
- E você, faz por quê?
Não respondi, mas o meu silêncio disse tudo. E a minha consciência gritava
tanto que, para mantê-la sob controle, eu disse muito espontaneamente, sem me
envergonhar:
- Por que não se traveste para eu ver?
- Eu, hein, por que você está me pedindo isso agora?
Nem eu sabia.
Meio sem graça, falei baixinho:
- Porque é legal ver duas identidades em um só corpo: homem e mulher na
mesma pele. Um outro segredo: a coisa me excita. E muito. E depois, me desculpe, mas
é uma coisa que agrada aos dois... ninguém está te obrigando a fazer nada. Um prazer nunca é um erro, certo?

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Votem  meus  amorzinhos ★♡
Será que  ele  vai  se  travestir ?

Veremos  no  próximo  capítulo heuheuheu

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