Robbin

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O nosso mundo se tornou hipócrita e esquisito. Os mortos são exaltados e os vivos são esquecidos...

Robbin ainda se lembrava da carta que havia recebido não muito tempo atrás. Ele tivera de relê-la várias vezes para acreditar no que estava escrito bem diante de seus olhos. Seu pai havia sido acusado de ser um traidor que conspirara para assassinar a família real de Ponente. Por tal razão, Eddrick York, senhor das terras do norte havia perdido a cabeça. Sua recusa em admitir a culpa por um crime que não cometera havia resultado em sua morte. Agora, seu filho se via na obrigação de defender a honra de sua família e proteger seus irmãos da ira dos inimigos que aguardavam uma chance de atacar.

O caos começara a se espalhar pela terra de Ponente após a morte do rei Frederich, conhecido por seus súditos como um governante cuja vontade era tão forte quanto o aço de sua espada. Deixando para trás uma prole nada invejável de filhas e filhos bastardos e nenhum herdeiro legítimo ao trono, o falecimento do soberano e o fim da dinastia dos Beaufort instaurou uma voraz disputa pela coroa. De um lado, Circe, a rainha viúva que voltara a usar Lancaster, o nome de sua família, marcava a fogo e decapitava qualquer um que ousasse se opor a ela. Ou assim as pessoas diziam. Robbin não duvidava que isto fosse de fato verdade, uma vez que seu pai figurava como um dos decapitados a mando da majestade.

Do outro lado, as famílias nobres e seus aliados começavam a se reunir enquanto aguardavam por alguém para assumir a liderança e desafiar a rainha pelo o controle das terras reais. Antes de sua decapitação, muitos acreditavam que o pai de Robbin seria esse alguém. Outros ainda esperavam o retorno de John, o irmão mais velho de Robbin, que há muito desaparecera nas brumas do norte. Deixado com a tarefa de reunir sua família, o jovem Robin estava fazendo o melhor que podia. Mensageiros haviam sido enviados para as fronteiras extremas do norte na esperança de encontrar John e trazê-lo de volta. E assim ele fez para o sul. Disfarçados como mercadores, mais mensageiros foram enviados para os domínios da rainha Circe, onde sua irmã Anna ainda era mantida prisioneira.

Era doloroso para Robbin ver sua mãe chorando pela filha, que tinha seguido os passos de seu pai, a fim de se tornar uma dama na corte. Anna era gentil, mas determinada. Seu sorriso podia esconder a fúria de mil lobos. E Robbin estava certo de que se nada fosse feito, sua irmã em breve se tornaria outro nome na longa lista de traidores da rainha. A única esperança de Anna descansava nos ombros de Peter Becket, um homem em quem Robbin nunca confiara inteiramente. Astuto e enganador, Peter havia avisado ao senhor Eddrick sobre o quão arriscado era questionar os mandos da rainha tão abertamente.

No fim, o não confiável Peter estava vivo e o justo Eddrick estava morto. Em Ponente, não eram os homens bons que sobreviviam. Eram os inteligentes. E Robbin não tinha nenhuma intenção de morrer antes de ver seu pai vingado e sua família reunida. O trono era de nenhum interesse para ele. Apesar de ser jovem, ele havia aprendido que coroas poderiam ser demasiado pesadas para cabeças fracas. Inúmeras vezes ele negou ser chamado de rei por seus vassalos. Inúmeras vezes ele se lembrou do que acontecera aos antecessores do rei Frederich: um fora esfaqueado por seus próprios guardas, outro morrera queimado em um incêndio, um outro fora envenenado e até mesmo do robusto Frederich se especulava que ele teria sido vítima das ações escuras de sua esposa.

Eu não sou nenhum rei, Robbin pensou consigo mesmo. Ele era pois, o filho de sua mãe e de seu pai, um nortenho nobre que ansiava por ter certeza de que o norte iria segui-lo até mesmo para a guerra, se assim fosse necessário. Como sua mãe havia lhe instruído, Robbin evitava a batalha a todo custo. Uma a uma, as famílias que antes haviam jurado fidelidade ao pai de Robbin começaram a juntar forças com o seu exército. O norte, que permanecera inerte por muitas décadas, começava a acordar. 

– Os olhos de Circe se virarão para você, meu filho. Cedo ou tarde isso acontecerá... – a mãe de Robbin o alertou.

– Eu sei, minha mãe. Isso é tão certo quanto o sol que nasce no leste e se põe no oeste. – ele respondera.

– Não vou dizer-lhe para não ter medo, porque o medo da morte é o que nos torna cientes de quão frágil é a nossa vida.

A sabedoria da mãe de Robbin vinha da experiência. Caitriona era a filha mais velha dos Towton, uma família oriunda das terras fluviais que faziam fronteira com o norte. John, Robbin e Anna eram seus filhos e filha. E Eddrick fora seu marido. Quando John decidira explorar o que existia além dos limites conhecidos de Ponente, seu coração tornou-se cauteloso. Quando Eddrick levou a pequena Anna para servir com ele na corte do rei, seu coração ficou sombrio. E finalmente, quando a Robbin foi atribuído o controle do norte, ela determinou que seu coração não se tornaria pedra. Por seus filhos, ela manteve-se forte como seu marido uma vez fora.

Robbin valorizava o conselho de sua mãe mais do que qualquer outro pois este se mostrara útil mais de uma vez. Sua campanha nunca cruzou as fronteiras do norte, nem mesmo sabendo que a família de Caitriona o apoiaria caso marchasse nas terras fluviais com destino ao sul. O norte em si era maior do que todas as outras terras no sul. Mas antes de ir contra os exércitos de Circe, Robbin ainda precisava ter certeza de que todas as famílias do norte iriam de fato apoiá-lo.

Depois de comandar uma dezena de seus melhores homens a avançar na direção de um castelo nos limites ocidentais de suas próprias terras, Robbin atiçou seu cavalo e se pôs à frente deles. A maior parte do contingente comandado por Robbin, assim como sua mãe, aguardavam na distância. Na amurada, os arqueiros se preparavam para defender sua estância dos combatentes que se aproximavam dos portões. Tomando a dianteira de seus subordinados, uma figura encapuzada atirou uma flecha que se fincou no chão diante de Robbin e sua montaria.

– A próxima flecha atravessará o seu coração se você não se anunciar logo, invasor. – a voz que chegou aos ouvidos de Robbin era clara e melodiosa.

– Sou Robbin York, filho de Eddrick York, senhor do norte. Exijo uma audiência com o senhor deste castelo. – ele respondeu sem desmontar.

– Muito bem, filho de Eddrick. A senhora do castelo vai ouvir o que você tem a dizer. 

A figura puxou o capuz para trás, revelando o rosto delicado de uma moça.


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