Capítulo I

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A pequena cesta de vime guarnecida de crisântemos e gérberas alaranjadas, enviada à Wingate Manor, fazenda do patriarca falecido no dia anterior, jamais poderia competir com o requinte dos lírios, antúrios, bocas de leão, palmas e copos de leite das requintadas coroas de flores de condolências, preito de admiração dos amigos seletos. Contudo, na fita roxa, as duas únicas palavras na frase da homenagem singela exprimiam sentimento sincero: "Saudade, Cynthia"

Abstraída de tudo e de todos, Cynthia Noble despedira-se daquele que fora seu patrão, sábio e experiente, mentor, mestre e conselhei­ro: Alfred Wingate, quase um pai.

E agora, desde o hall de entrada da mansão, onde o corpo havia sido velado, ela observava Katherine, nora de Alfred e mãe de Graham e Rick, o filho mais velho, recostada sobre o sofá confortável da sala de visitas. De natureza frágil, achava-se sobremaneira aba­tida pela morte do sogro: olheiras marcadas evidenciavam o cansaço enorme que lhe subjugava as forças, prostrando-a exausta e impe­dindo-a de desempenhar suas atribuições de consorte, deixando-se reanimar pelas ditas almas solidárias que para ali traziam as mais sinceras manifestações de apoio e amizade à família enlutada. Cyn­thia as agradecia em nome de Katherine e do marido, Harrison Wingate que, habituado ao comando de Alfred, desorientara-se com a perda do pai.

Inadvertidamente, ela levantou a cabeça e deparou-se com a cena corri­queira à qual já se habituara a presenciar: Graham Wingate, seu noivo e neto de Alfred, exercitava seu poder de sedução olhando insistentemente para a estagiária, assistente do advogado que, como amigo, viera até ali também para auxiliar a família nos aspectos legais do sepultamento. E, ainda uma vez, o herdeiro mais novo daquela família entristecida constatava como lhe era fácil suscitar a admiração do sexo oposto.

A morena exótica parecia lhe sorrir o mais belo de seus sorrisos, exteriorizando uma gama numerosa de promessas e aquiescências. Certo dia, também Cynthia se deixara enlevar pelo olhar meigo e sedutor de Graham, eterno paquerador, afetivamente imaturo. Contudo era um inegável trabalhador, pertinaz na busca de idéias, resoluções e empreendimentos.

Cynthia suspirou, lembrando-se das fantasias do início do namo­ro quando ainda não o conhecia bem. Com o passar do tempo, apren­dera que o jogo da conquista era alento necessário para o tempera­mento libidinoso de seu noivo, acostumado a fazer com que todos os seus caprichos fossem satisfeitos.

A decisão já estava tomada: ela desfaria o compromisso.

— Muito obrigada por ter vindo, Sra. Meier. — Cynthia fez às vezes da família Wingate e cumprimentou a herdeira de uma grande indústria. — Sabe como a presença dos amigos é importante nessas horas.

— Nada neste mundo me impediria de vir até aqui para dizer adeus a Alfred, minha filha.

Os dedos nodosos e enrugados da velha senhora alisavam o camafeu preso às duas extremidades da gola engomada da blusa bran­ca de renda valenciana.

— Vou lhe contar um segredinho: fez-me a corte quando éramos ainda muito jovens. Bem antes de conhecer Jayne, é claro. Mas de­pois se casou com... Ela e foram muito felizes. Era um moço garboso! — A Sra. Meier suspirou sua saudade.

— Elaine!

A Sra. Wingate se chamava Elaine. Cynthia lembrou-a, delicada.

— Como disse?

— Elaine. Foi um prazer revê-la.

— Obrigada, querida. Mas meu nome é Martha.

Cynthia sorriu terna, à confusão da senhora simpática, causada pela evidente insuficiência auditiva decorrente da idade avançada.

Com a ajuda de seu motorista, a Sra. Meier entrou no carro e acomodou-se no banco de trás. Em poucos minutos, o Rolls Royce preto deslizava reluzente, macio, pela alameda que antecedia o por­tão da morada dos Wingate. Provavelmente, as recordações da ju­ventude de Martha Meier a acompanhariam no trajeto de retorno para casa. E algumas lágrimas fariam seus olhos azuis brilharem ainda mais.

Definitivamente... Amor! (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora