Ela olhou para mim - a boca entreaberta - e reconheci em cada milímetro do seu olhar aquele desafio já tão familiar. Ela me provocava, disso eu sabia. Só não sabia com que intenção. Nunca soube. Sua mente era um completo mistério, bem diferente do seu corpo, diga-se de passagem.
Aquele corpo eu conhecia bem. Conhecia, mas não me cansava. Cada curva (e eram tantas) me fascinava, me absorvia. Cada movimento - muito bem calculado - me hipnotizava. E ela sabia. Ela sabia tanto sobre mim e eu sabia tão pouco sobre ela. Ela sabia como me enlouquecer, como me acalmar, como me manipular. E, por Deus, como sabia me instigar.
O desafio perdurava, esperando uma resposta. Minha boca estava seca enquanto eu olhava para a dela. Aqueles lábios macios e nada gentis ainda levemente separados, um esboço de sorriso no canto deles, se divertindo com o efeito que causava em mim. Seu corpo estava displicentemente jogado sobre o sofá, mais deitado que sentado, totalmente à minha disposição.
Senti meus olhos arderem. Senti as lágrimas que ameaçavam voltar. Maldita. Mil vezes maldita.
Toquei sua coxa e cravei minhas unhas em sua carne, quente, macia e minha. Notei suas sobrancelhas arquearem de leve antes que ela enterrasse as próprias unhas em meu pescoço, forçando-me a fitar o teto ao mesmo tempo que um gemido sufocado alcançava meus ouvidos. Aqueles gemidos eram todo um capítulo à parte. Ouvi-la exprimir aquele som angustiado me inundava com um prazer tão imenso que só se equiparava ao tormento do meu coração com a ideia de machucá-la.
Maldita. Mil vezes maldita.
Eu a amava tanto. E ela me amava. Eu a amava e ela me amava. Eu a amava e ela se amava ainda mais. O quanto aquela mulher era desejada...o quanto aquela mulher era cobiçada...oh, céus. Como poderia eu convencê-la de que o desejo que eu sentia sempre sobrepujaria o de qualquer outro? Como poderia eu convencê-la de que meu sexo e meu amor bastariam? Como poderia eu em toda a minha ingenuidade acreditar que ela abriria mão do mundo por mim? Eu não poderia. Eu jamais poderia. Queria poder. Mas ela não o faria e a realidade me engoliria.
Maldita. Mil vezes maldita.
Nossos lábios se encontraram, mais mordendo que beijando. Deixei que minha língua passeasse sobre a dela. Ela estava entregue. Dominava, mas adorava ser dominada (e que eu fingisse muito bem que não sabia, obrigada). Contornei sua boca, busquei sua língua, sorvi de leve seus lábios e, antes de deixá-los, os prendi entre meus dentes. Ela ofegou. Eu queria que ela sangrasse, queria que ela sentisse dor. Queria marcá-la, não importa de que forma. Senti um aperto no peito.
Maldita. Mil vezes maldita.
Puxei seu corpo sobre o meu. Suas pernas entre as minhas. Ela adorava ficar por cima. Na verdade, ela estava sempre por cima. Mas ali, naquele cenário ausente de sentimentos, por mais que ela estivesse por cima eu sabia que quem estava no controle era eu. Deixei que minha coxa direita ficasse exatamente no meio de suas pernas, enquanto agarrava seus quadris com ambas as mãos e a puxava violentamente. Ela ofegou novamente antes que sua boca se chocasse contra a minha e antes que o calor de seu sexo em atrito contínuo contra a minha pele inebriasse meus sentidos. Nenhum pedaço de roupa poderia me impedir de perceber que ela estava molhada, se movendo num ritmo intoxicante sobre mim enquanto sufocávamos os gemidos que se afogavam em minha boca. Já não havia mais nada, apenas o tato de uma para servir o tato da outra. Desci meus lábios sobre seu pescoço, seus ombros, seu colo. Ela fez o sinal - também já tão familiar -, jogando os cabelos encaracolados para o lado e eu obedeci, rendendo-me. Não sei qual polo era positivo e qual era negativo, mas meu piercing e seus mamilos se atraíam de tal maneira que o caminho entre eles não apresentava qualquer obstáculo, apesar de sobrarem os atalhos e encruzilhadas. Minha boca era dela, minhas pernas eram dela e a fiz dar aquilo que eu julgava tão meu. Arrastei minhas unhas furiosamente sobre a parte posterior de suas coxas, friccionando seu sexo com força, com raiva. Eu queria que ela gemesse para mim. Só para mim. Em resposta, ela me deu um tapa. Mas gemeu.
Meus sentidos estavam se perdendo. Eu queria amá-la, queria sufocá-la, queria rasgá-la, dar-lhe prazer e dor como ela nunca conheceu.
Maldita. Mil vezes maldita.
Inverti a posição. Ou ela inverteu. Não sei. E não importa. Ela tirou o short. Queria poder me gabar de rasgar suas roupas, mas não o farei. Sempre muito coladas eu tenho (acredite, se puder) medo de machucá-la no ato. E minhas mãos tremem perto dela.
Maldita. Mil vezes maldita.
Tirei um segundo - ou uma fração deste - para admirá-la. Eu não poderia demorar, ela era impaciente, mas eu não me privaria desse momento, por mais breve que fosse. Seus cabelos caíam ao redor de seu rosto afogueado, emoldurando-o como raios solares numa pintura. Seus olhos, uma mistura de desafio, vontade, ânsia e uma fragilidade que só nesses momentos ela me permite ver. Ou talvez nem saiba que exista - nem que eu a enxergue. Suas pernas, longas e grossas, levemente flexionadas dominam meu horizonte não importa para onde eu olhe, se não para a frente. Sua calcinha, quase sempre de renda, representa tão bem todo o dilema da situação que acho que ela riria de mim caso se desse conta: provocante, mas frágil. Quero que ela saia do meu caminho, mas não quero destruí-la para isso. Quero o que ela esconde (não tão bem assim, vale ressaltar), mas quero apreciar o cuidado de sua escolha para aquele momento. Não sei a quem estou enganando - ela riria de mim de qualquer forma, como sempre ri.
Maldita. Mil vezes maldita.
Tiramos sua calcinha. Ou a chegamos para o lado. Realmente não importa. Eu deveria lembrar de tantas coisas que já vi e li e desfrutar um pouco das coxas, da virilha, do jogo...mas não consigo. Meus lábios a envolvem com tanta vontade, tanta sede, que sinto uma pressão entre minhas próprias pernas enquanto minha língua percorre toda a extensão molhada de seu sexo. Eu devo estar tão molhada quanto ela. Meus piercings brincam, por vezes frios contra o calor, e ela ofega sem parar. Não sei se ela presta atenção em mim, mas me controlo para não gemer junto. Ela puxa meus cabelos e me desafia sustentando meu olhar. Me mostra que está no comando, mesmo que eu esteja fazendo o meu melhor para fazê-la esquecer o próprio nome. Em vão. Ela decide. Eu não poderia fazer diferente. Quero lamber, chupar, morder, meter. Quero colocá-la de quatro e agarrar seus cabelos, penetrando, batendo, invadindo com minha língua cada pedaço dela que puder alcançar. Quero fazer o que eu quiser, mas me rendo ao seu prazer, pois este é o absoluto titereiro do meu. Ela decide. E ela sabe.
Maldita. Mil vezes maldita.
Os espasmos dela me desconcentram. Quanto mais ela se aproxima do orgasmo mais eu tenho dificuldades em manter o foco, entorpecida pela forma como seu corpo se move, como seu olhar me invade, como suas unhas me prendem e como sua voz sufoca gemidos em minha garganta. Eu poderia chegar ao clímax com ela, por muito, muito pouco. Ela geme alto e dilacera minha nuca. Me marca. Ainda mais do que já fez. Eu poderia ficar ali dias, sorvendo e absorvendo seu prazer com minha boca. Mas ela me afasta. E se afasta. Um "Meu Deus" eventual me atinge, como uma gratificação por um serviço bem feito. Eu a olho. Como ela é linda. E como eu a amo. Ela não diz que me ama. Raramente o faz, na verdade. Ela se basta. Ela me basta, apesar de eu não saber - nunca saber - se basto para ela. E, se basto, ela não me diz. Se diverte com minha dúvida, se alimenta da minha insegurança. Sabe que eu a quero e sabe que o mundo inteiro a quer. Não há gozo maior que este para seu ego.
Maldita. Mil vezes maldita.
Maldita ela. Maldita eu.
Ela, por ser quem é - e eu, por amá-la tanto. Eis aí uma certeza ainda maior que seu ego. Quase maior que o amor, o desejo - e o ódio - dentro de mim. Todos, todos dela.
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A Virgem e O Leão
Short StoryAmor. Mágoa. Desejo. Selvageria. Ódio. E o quanto eles podem ser sinônimos.