Capítulo 1

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Nem acredito que já é sexta-feira novamente. Para facilitar um pouco o fechamento de uma semana complicada para o meu lado, o dia amanheceu sem chuva. O frio é normal para uma manhã de julho, mas o fato de ver um sol surgindo timidamente logo após as sete da manhã me anima de forma considerável. Enquanto passo rímel e decido usar um batom da cor da pele, repasso mentalmente as coisas mais importantes pra encerrar a semana no escritório. Algumas rescisões para dar andamento e uns documentos para serem organizados. Tudo indica que vai ser um dia tranquilo. Esse presságio é um ponto muito positivo para quem ainda está se adaptando à rotina de trabalhar na área de recursos humanos.

Mesmo com a maquiagem (minha parceira inseparável para encarar diariamente o mundo tentando disfarçar minha cara de sono), a impressão que tenho é de que o cansaço está evidente no meu rosto. Não demora muito e o ônibus se aproxima do ponto e tenho a sensação de minha face cansada estar mais protegida quando consigo um lugar na janela perto da porta de saída traseira. Fico olhando para a janela como quem procura detalhes em uma paisagem vista diariamente há muitos anos. Talvez por essa distração tão corriqueira demoro a me dar conta de que alguém estava me observando.

Eu sei quem é aquele garoto. Sim, um garoto. Dezoito ou dezenove anos de idade é o máximo que consigo atribuir ao menino de cabelos bagunçados, piercing no lábio e tatuagens no braço direito. Obviamente, hoje ele está de casaco, mas lembro do detalhe da tatuagem por ele já ter entrado nesse mesmo ônibus em ocasiões nas quais o clima estava bem mais agradável. Não posso afirmar que a presença dele tenha passado despercebida nas outras vezes que o vi porque a imagem dele me remete a alguém conhecido. Se é um amigo antigo, um músico ou ator, não consigo afirmar. O fato é que hoje ele me chamou mais a atenção do que anteriormente. Talvez porque o peguei olhando na minha direção na metade do trajeto até o centro. E, um pouco mais adiante, o fato de novamente pegar ele me encarando quando olhei para a parte do ônibus em que ele estava me deixou ainda mais intrigada.

Quando me dou conta do que pode estar acontecendo, procuro desesperadamente meu espelho na bolsa. Tenho que aprender a não ficar pensando em outras coisas enquanto passo minha maquiagem. Por mais leve que costumo fazer ela, com certeza hoje borrei algo e saí igual a uma palhaça para a rua. Disfarçadamente olho para o espelhinho na minha mão, e me surpreendo quando vejo que está tudo no seu devido lugar. A conclusão a qual chego é: meu cansaço semanal deve estar gritante na minha cara, a ponto de assustar até mesmo o carinha estiloso do piercing.

Claro que, em um remoto canto do meu lento raciocínio matinal, algo me diz que talvez o garoto possa estar me olhando por, talvez, estar interessado em mim. Essa ideia soou ridícula para mim mesma, e me controlo para não rir sozinha em pleno ônibus. Entretanto, a minha teoria baseada na incredulidade de um interesse por parte do guri cai por terra quando este desce do ônibus em um ponto antes do que o meu de costume. Da janela na qual me encontro ainda sentada, fico observando o garoto sair do ônibus e passar lentamente ao lado dessa mesma janela, com aqueles olhos instigantes fixos nos meus. Ao perceber que estou há mais de três segundos correspondendo a esse inesperado contato visual, trato de imediatamente procurar algo na bolsa, qualquer coisa, só não posso continuar presa àqueles olhos estalados e com jeito de curiosos.

A sexta-feira se desdobra dentro das expectativas que criei enquanto me arrumava pela manhã. Só não posso negar que entre as atividades do meu cronograma insiste em surgir um par de olhos atrevidos que me surpreendeu no trajeto para o trabalho. Eu não acredito que, no auge dos meus vinte e seis anos, estou me deixando impressionar por um garoto atrevido que deve ter acordado com o objetivo de, quem sabe, desafiar alguém que surgisse no seu caminho através de um olhar quase incriminador.

Tentando desconsiderar a diferença de idade gritante que existe entre o jovem sujeito e eu, chego a pensar que não seria errado me deixar levar por essa sensação impressionada e admirada que fiquei após ver o rapaz. Não seria errado se eu não fosse comprometida há praticamente quatro anos com um ótimo namorado, como é o Fernando, e já estivesse mobiliando nosso apartamento para, em um futuro próximo, iniciar minha vida definitivamente ao lado dele. Não vai ser aquele garoto que vai me trazer de volta os pensamentos questionáveis a respeito da minha rotina de namoro que surgiram há uns dias atrás... Não na véspera de um final de semana que eu aguardei tão ansiosamente.

Finalmente minha semanade trabalho chegou ao fim. A partir de agora, além de descansar, possofinalmente preparar as coisas para a festa marcada com um grupo de amigos meuse do Fernando no sábado. Penso comigo mesma: aproveita a folga Gabriela! Depoisde ralar tanto no trabalho como nos últimos dias, um fim de semana ocupado nãovai nem te dar tempo de lembrar do rapaz curioso e atrevido do ônibus. Serámesmo?    

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⏰ Última atualização: Jul 20, 2016 ⏰

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