Prólogo - Perigosamente Muladis [1]

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A casa era modesta, localizada nos bairros populares de Córdoba, contrastando com a opulência das residências dos nobres de uma cidade que florescia

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A casa era modesta, localizada nos bairros populares de Córdoba, contrastando com a opulência das residências dos nobres de uma cidade que florescia. Nela, a família cristã, composta de pai, mãe e filha, vivia dissimulada como muçulmanos.

Era uma escolha perigosa a que poucos se aventuravam e que exigia uma disciplina e um código de conduta rigoroso.

Adil, sua esposa Amina e sua filha Jalila, professavam o islamismo para consumo público, enquanto no lar mantinham suas práticas cristãs. Eram descendentes de uma antiga e zelosa família do Norte que imigrara para o sul, junto com outros ramos de ancestrais, cerca de três gerações anteriores e a conversão dissimulada tinha sido uma penosa decisão efetivada na geração anterior. Os nomes árabes eram uma escolha necessária em decorrência da conversão ao islamismo e significavam, respectivamente, "honesto", "em segurança" e "exaltada".

Adil mantinha um pequeno mercado de frutas, uma tradição familiar antiga. A residência era pequena, mas como também o núcleo não era grande, os dois cômodos e a sala permitiam a privacidade necessária ao casal e à filha. Sua esposa cuidava da casa e ajudava o marido no negócio.

Jalila contava, então, 21 anos; formas graciosas, longos cabelos pretos que sempre costumavam tocar levemente o róseo de seus ombros. O belo tronco harmonizava com o colo e o conjunto modelava aquele tipo de silhueta que produz sobre os homens eflúvios que oscilam do divino ao mefistofélico. Mas era o rosto que dominava a impressão inicial, marcada pelos olhos com sua cor tipicamente basca ─ usando uma figura semelhante em Al-Mahad D'Azzis,[2] um conhecido poeta popular de Córdoba ─ imaginem dois topázios nadando em leite. Umas dessas mulheres que aparentam a fragilidade do gesso, mas que são determinadas e resistentes como diamante. Conseguira alfabetizar-se em árabe em uma das inúmeras escolas agregadas às bibliotecas de Córdoba e aprendera a língua basca no convívio familiar. O exercício de orar em árabe, na mesquita, e o uso da língua materna durante o credo cristão praticado em casa, era um exemplo de como a família administrava essa situação de alto risco. Evitavam exposição reduzindo a vida social. Era perigoso, além de desconcentrar a constante atenção que precisavam manter.

Eventualmente, Jalila colaborava no negócio da família, mas estava naquele momento empenhada em obter uma vaga no séquito da Sultana Subh, esposa do Califa, que acabara de anunciar uma nova rodada de seleção de camareiras.

Este emprego se enquadrava dentro de um plano de estratégia de vingança urdida pela família e que já vinha sendo planejado por várias gerações. Visando a essa meta, Jalila era poupada de todo o tipo de serviço que pudesse comprometer a maciez de suas mãos e pele, a sedução de seus cabelos, ou que enfim, comprometesse a sua beleza. Era uma linda mulher, que se destacava mesmo usando vestimentas que não podiam competir com os maravilhosos vestidos e joias que as camareiras do palácio portavam. Mas a família a supria com o melhor que podia.

Seus ancestrais cristãos haviam sido destroçados pelos acontecimentos conhecidos como os "Mártires de Córdoba", no qual 48 acusados foram levados à morte por decapitação.

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