Prólogo

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Existia uma sabedoria naquele vestido. Para Lídia, estava do jeito que deveria ser. Ninguém poderia reclamar que as coisas não estavam no lugar. Ele era simples, mas sem deixar de ser elegante. Os traços dela estavam firmes, era uma estilista de verdade. Não dava para ser confundido com um vestido de noiva, mas tinha detalhes importantes. Lídia amava o drapeado, principalmente depois que aprendeu que aquelas ondinhas tinham esse nome. Drapeado. Era sua nova palavra favorita da semana, substituindo perspectiva.

A cor tinha sido um problema, porque, na cabeça dela, o vestido seria azul. Mas não aqueles azuis da caixa de lápis de cor. Lídia sabia que existiam mais. Era ridículo como eles tentavam limitar uma garota de nove anos. Não dava para criar assim, gente. Como ser criativa com apenas "azul claro" e "azul escuro"? Daí ela mudou para vermelho e depois amarelo, mas topava sempre com o mesmo problema. Vai ver a cabeça dela que era ridícula.

Acabou ficando com o branco, porque, né. Fazia sentido para a Lídia de nove anos. Ela ainda não sabia da existência de marfim e off-white. Inclusive, dali a uns dez anos, ela ficaria chocada acompanhando as amigas nas lojas de vestidos de noivas.

Mas, enfim, não era um vestido de casamento. Não tinha mangas, era meio rodado após o drapeado na cintura. No papel, parecia um vestido que realmente ganharia vida numa ventania ocasional de fim de tarde. Tinha uns detalhes azuis também, porque a criança não era de ferro e, pelo amor de Deus, qual é a graça de desenhar se você não pode pintar?

Os ruídos da bicicleta, ruídos que ela reconheceria de longe, tiraram Lídia do devaneio sobre seu próprio desenho. Ela não era uma estilista. Era uma garota gorducha sentada no sofá da melhor amiga, que, ao lado de Lídia, rabiscava alguma coisa também num papel apoiado em um livro sobre seu colo. Havia uma janela enorme por onde Lídia podia olhar e ver o irmão de Barbie chegando em casa com sua bicicleta nova. Lídia chegava quase a suspirar, era uma lindeza de se ver. O menino em si, nem tanto, mas a bicicleta era um primor.

- Isso está fenomenal! - Barbie disse, arrancando o desenho de Lídia no segundo em que ela se distraiu para olhar pela janela. Fenomenal era a nova palavra favorita da semana de Barbie.

- Você está chamando qualquer coisa de fenomenal. Você disse que a mochila nova da Mariana era fenomenal.

- Ela era fenomenal também.

- Era só legal.

- Mas o seu desenho está mesmo fenomenal. Amei as ondinhas.

- Drapeado - Lídia disse e sorriu.

Porém, agora que o desenho tinha saído de sua bolha criativa e voado para as mãos de Barbie, Lídia enxergava que ele não era perfeito. Não parecia nem simétrico, tinha umas partes bem tortas. O drapeado tinha ficado meio borrado, a mão suada dela tinha deixado as coisas embaçadas e aquele branco estava todo manchado de cinza. O azul escuro ficara muito nada a ver, como se, sem querer, ela tivesse rabiscado o desenho. Na turma delas do quarto ano, várias meninas desenhavam melhor do que ela. Os meninos, então... Eles praticamente tinham nascido para aquilo. Apesar de caçoarem de qualquer coisa relacionada a Lídia, eles ririam com ainda mais vontade daquele rabisco dela. A menina via seus traços tortos no papel, mas o garrancho estava todinho nos olhos dela.

- Pode ficar com ele, se quiser - Lídia disse.

- Nossa! Jura?

- Pra quê eu vou querer isso?

- Ele está lindo! Imagina se fosse um vestido de verdade?

- Eu odeio vestidos. Mas você é uma Barbie de verdade, ia ficar ainda mais linda nele.

Não Sei Lidar com GêniosOnde histórias criam vida. Descubra agora