Tique-taque

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Se pedissem a Loranna uma descrição fiel do Palácio das Ilusões, ela nem saberia por onde começar. Tudo ali parecia fluir, formando padrões intrincados que perduravam por alguns míseros instantes para logo se desfazerem e se encaixarem em um novo padrão, que nunca era igual ao anterior. Arcos, portas, colunas, janelas e varandas se intercalavam diante de seus olhos, ora brancas e grandiosas, ora douradas e opulentas, ora simples e aconchegantes. Mutável, era como ela o descreveria, se lhe pedissem uma única palavra sobre ele...

***

Celes repousou a caneca sobre a mesa, e o baque do vidro sobre a madeira cortou o fluxo de palavras da elfa.

— Não acredito nisso. Palácios não podem mudar de forma, nem de lugar. Você é boa com as palavras, Loranna, mas está mentindo.

Anien e Mylaela prenderam a respiração, à espera da retaliação. Loranna deixou escapar um risinho.

— É claro que palácios não mudam de forma, Celes. O que descrevi era uma ilusão. Afinal, eu estava atrás de um metamorfo, lembra?

— Mas...

— Ele era poderoso, muito poderoso. Podia mudar não só sua forma, mas nossa percepção dela e do ambiente ao redor. — Fez uma pausa. — Pelo menos, era o que eu tinha ouvido.

Celes ficou em silêncio. Ainda parecia cético, mas Loranna viu a dúvida — e o medo — dançar em seus olhos.

— Parece perigoso — murmurou Mylaela.

Era perigoso — Loranna teve o cuidado de enfatizar o "era". Sob os olhares atentos dos amigos, bebericou calmamente mais um bocado de sua bebida. Depois, sorveu-a em goles profusos, e quando repousou a caneca vazia sobre a mesa, anunciou: — Só conto a história se me pagarem mais uma rodada.

***

O Palácio das Ilusões era grande, labiríntico e tão antigo quanto o próprio mundo. E o metamorfo era poderoso, e odiava invasores. Isso era tudo o que Loranna sabia sobre aquele palácio que por fora mais parecia uma ruína de tempos semiesquecidos, já parcialmente tomada pela natureza — o que era, convenhamos, quase nada. Uma ótima forma de começar uma aventura.

Loranna era uma maga da mente, então se sentiu confiante para caminhar por entre as ilusões e até mesmo apreciá-las pelos milionésimos de segundos durante os quais ficavam disponíveis. Ninguém tinha ido até ali e voltado para contar a história, e era porque suas mentes sucumbiam àquele ordenamento indecifrável, diziam. Suas mentes se estilhaçavam, ou eram sugadas pelo turbilhão de ilusões — ninguém nunca concordava sobre se era um ou outro —, e os corpos se tornavam cascas vazias.

Mas havia aqueles que acreditavam que nada tinha a ver com loucura. As pessoas que entravam ali simplesmente desapareciam — nada sobrava: ossos, roupas, armas; não havia, no Palácio das Ilusões, lembranças de seres que respiravam e pensavam e viviam. Ou eram comidos pelo metamorfo, o Rei das Ilusões, ou tinham suas almas sugadas por ele, então seus restos mortais simplesmente se dissipavam, passando a compor o ar, as plantas e as próprias ilusões.

Loranna sabia que ambas as suposições eram ridículas. Já tinha lidado com metamorfos antes, e eles não comiam carne de humanos e nem de elfos. E a história das almas era sem pé nem cabeça — se corpos se dissipassem quando separados do espírito que os animava, cemitérios não seriam necessários.

Ela avançou, dançando por grandes salões de baile, se esgueirando por entre altas prateleiras de livros, afundando as botas sobre a terra macia de uma floresta mansão, flutuando sobre uma plataforma de vidro que mostrava o céu a seus pés. Sentiu frio, sentiu calor, sentiu os pelos pinicarem por baixo das roupas quando um aguaceiro forte a pegou. Seus dedos tocaram madeira, pedra e metal, e se fecharam por um instante ao redor de um tubo com um líquido azul antes que este desaparecesse, deixando somente a lembrança fria e lisa do vidro.

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