O Videogame

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Devo avisar-lhes antemão de que esta não é uma história feliz sobre crianças e jogos eletrônicos. Também não é uma narrativa fantástica sobre um evento sobrenatural envolvendo um estranho videogame que transporta os seus jogadores para um mundo virtual e fantasticamente perigoso. Não, peço desculpas, mas vocês não encontrarão nada deste tipo por aqui hoje.

O que estão prestes a ler é nada mais que uma simples, porém importante, lembrança de alguém que viveu bons e maus momentos durante a infância e adolescência. Os eventos descritos a seguir podem ser comoventes ou não; isso dependerá do estado de ânimo atual de vocês. A mim, no entanto, sempre causam sentimentos profundos de nostalgia e tristeza, mas não deem tanta atenção a isso; ou deem, já não me importo mais. Afinal, as pessoas vivem me dizendo que sou dramático demais... Vamos à história:

Eu costumo classificar as pessoas em dois grandes grupos distintos e raramente mutáveis: a) conhecidos e b) amigos.

Aqueles que fazem parte do primeiro grupo são a maioria das pessoas que conheci e conheço. Elas estão quase sempre se encontrando comigo pelas ruas da cidade ou em lugares públicos. Trocamos bons dias, boas tardes e boas noites, mas quase nunca passamos disso. Consigo viver sem elas por perto diariamente, pois existem muitas delas por aí.

Os outros, que integram o segundo grupo, são pessoas raras de encontrar. Estão misturadas na multidão, quase invisíveis, esperando para serem descobertas. Têm várias coisas em comum conosco, mas ainda não sabemos disso. Basta um encontro de olhares, uma rápida conversa e então a mágica acontece. Tornamo-nos melhores amigos desde sempre a partir do sentimento de reciprocidade. É incrível quando isto acontece. São essas pessoas que fazemos questão de ter por perto todos os dias de nossas vidas, mesmo sabendo que isso é quase, senão sempre, impossível.

Eu não lembro com cem por cento de exatidão qual era o ano, mas talvez fosse 1995 ou 1996. Também não me recordo exatamente como conheci Tiago. Contudo, tenho quase certeza de que foi naquela locadora de videogame que ficava no centro da cidade. Eu devia ter de dez para onze anos de idade naquela época e acho que ele também estava nessa mesma faixa etária.

Assim como eu, ele era um pouco gordo, branco, cabelos curtos e escuros, vestindo camisas de mangas curtas e bermudas que iam até o joelho e, nos pés, sandálias de dedo. A única diferença entre nossas aparências era que ele gostava de usar boné e relógio digital. Eu nunca fui chegado a bonés ou relógios, apesar de considerá-los objetos legais de se usar.

Era quase seis da noite e o dia lá fora do pequeno prédio da locadora começava a escurecer e esfriar. Todos os videogames Super Nintendo estavam ocupados naquele momento e uma fila ansiosa de meninos loucos para torrarem suas moedas aguardava a sua vez junto à parede. Ainda faltavam quase vinte minutos para o meu tempo terminar. Eu estava jogando um dos meus jogos preferidos: Mighty Morphin Power Rangers The Movie featuring IvanOoze e percebi que Tiago, que naquela ocasião eu ainda não conhecia, estava interessado no andamento do meu jogo.

Não sei se vocês sabem, mas Mighty Morphin Power Rangers The Movie featuring IvanOoze nos dá a opção de jogar em dupla ou sozinho. Eu sempre jogava sozinho e demorava a passar de fase. Não fazia ideia de quantas fases tinha aquele jogo e sentia-me frustrado toda vez que meu tempo terminava e eu não conseguia nem chegar perto da última fase. Todo mundo que já tinha jogado e zerado aquele jogo dizia que a última fase era a batalha contra IvanOoze e, depois de derrotá-lo, ainda era preciso escapar de sua fortaleza para ser resgatado pelo Megazord. Eu queria muito ver isso! Sempre fui fã dos Power Rangers, mas somente até certo ponto da série de TV. Adorava — e ainda adoro — os primeiros Rangers, os Mighty Morphin originais. Depois que eles foram sendo substituídos por outros atores, parei de assistir.

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