Minha vida não era fácil, ainda. Mas pela minha Luna, tudo valia a pena.
Acordei assustada com os latidos do cachorro. Sadan, era o nome dele. Eu e o pai da minha filha havíamos comprado esse pastor alemão um pouco antes da nossa filha nascer, ele tinha um ano de idade. Coloco a mão na testa para tentar tirar um pouco do suor que estava ali. Olho para o lado e vejo a minha filha, Luna, dormindo feito um anjo. E é isso que ela é, um anjo. Ao pé do fino e longo colchão em que dormíamos, estava ele, o homem que me ajudou a conceber o meu bebê. Juntei mais alguns panos para colocar embaixo da Luna. Como dormíamos no chão e o frio conseguia passar pelo fino colchão, não queria que meu bebê pegasse um resfriado. Percebi que já estava amanhecendo, mas um dia estava por vir. Levantei, abri e fechei o mosquiteiro. Fui no varal, peguei as fraldas de pano que havia lavado no dia anterior e as dobrei. Entrei em casa e olhei novamente para a cama, Luna já havia acordado. Era estranhamente incrível isso, claro que poderia ser coisa da minha cabeça, mas parecia que ela e eu estávamos ligadas. Eu acordava, pouco tempo depois ela também. Eu chorava, ela me olhava com aqueles profundos olhos escuros e sorria, tentando me fazer sentir bem, e ela sempre conseguia. A peguei no colo e fui trocar a sua fralda, antes de fechar novamente o mosquiteiro, vi que ele ainda dormia. Folgado. Joguei a fralda descartável no lixo e coloquei uma de pano. Como não tínhamos muito dinheiro, economizávamos em tudo, só colocávamos fralda descartável para a Luna quando íamos dormir. Depois de trocá-la, me sentei na varanda, no chão mesmo, e a dei de mamar. Fiquei ali, apenas observando a serenidade em seu rosto, ela era perfeita, foi feita exatamente para mim. Quando ela estava satisfeita, a coloquei para arrotar e fui acordar o pai dela. Ele resmungou, como sempre, pedindo para dormir mais um pouco. Falei que deveria se levantar logo, porque eu tinha que ir trabalhar, relutante ele se levantou e ficou com a nossa filha. Tomei um banho, me arrumei, peguei uma fruta e, antes de sair de casa, falei para o pai da minha filha dar banho nela. Quando estava chegando ao ponto de ônibus, vi o ônibus que levava as crianças para a escola saindo. Corri o mais rápido que pude, gritei e o ônibus esperou.
- Bom dia seu Zé, obrigada por esperar.
- Bom dia querida.
Sentei em uma cadeira vazia e sorri feliz. Esse Escolar era grátis, então eu tinha economizado R$3,50 da passagem. Cheguei ao meu trabalho e só tinha o porteiro. Eu trabalhava em uma escola pública, era secretária da diretora. Na hora do almoço, me perguntaram se eu não queria ir almoçar, respondi que não estava com fome. Eu não estava com fome? Estava faminta! Havia comido apenas uma banana. Mas tinha que economizar. As 14h a diretora voltou, trouxe com ela uma marmita, disse que eu trabalhava demais e que tinha que comer, se não como iria viver para criar uma filha? Ela sabia do meu esforço. Também sabia que eu iria levar metade daquela comida para a minha filha, bendita seja essa diretora. No final do meu expediente, consegui pegar o Escolar. Cheguei em casa e ouvi um choro agudo. Choro? Minha filha quase não chorava O que havia acontecido? Entrei correndo procurando o meu bebê. Meu Deus, cadê ela? Achei a Luna naquele fino colchão, estava toda suja de xixi e fedia. Ele não tinha dado banho nela? Maldito, hoje ele ia ver só. Falando nele, onde estava o idiota? Com raiva, mas feliz por ver o meu bebê, a tirei dali e dei um banho nela. Tomei um banho junto. Peguei a janta e esquentei para ela. Enquanto dava comida a ela, o pai da minha filha chegou meio bêbado e drogado. Ah não, ele não ia ficar perto dela assim. Gritei com ele, é claro.
- COMO VOCÊ DEIXOU ELA SOZINHA AQUI?
- AH, VAI A MERDA. FEZ COMIDA?
Virei as costas, respirei fundo e continuei dando comida a minha filha. Ele não valia nada. Quando vi, tinha se jogado no fino colchão. Dei o resto da comida ao cachorro, e de um pouco do meu leite a Luna. Depois que ela dormiu nos meus braços, eu chorei. Chorei de raiva pelo pai irresponsável que minha filha tinha. Chorei por não poder dar tudo do bom e do melhor a minha filha. Chorei por ter vinte e sete anos e não ter um emprego bem remunerado. Olhei a minha volta, estava desesperada. Com minha filha no colo, coloquei tudo que tínhamos em duas malas e, tirei um tijolo da parede, que escondia com um quadro velho. Lá dentro tinha um dinheirinho, caso precisasse. E estava na hora de usá-lo. Peguei as malas, Luna e Sadan. Chamei a vizinha para me levar na rodoviária, ela tinha um carrinho. Quando chegamos, a agradeci por tudo. Ela foi embora e eu esperei o ônibus para a minha cidade, estava na hora de ver mamãe. Em nenhum momento me arrependi de deixar o pai da minha filha pra trás. Quando chegasse na minha cidade, ligaria para a diretora contando tudo, ela entenderia.
Minha vida não era fácil, ainda. Mas pela minha Luna, tudo valia a pena.
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Margaridas ao vento.
Short StoryEste será um livro de contos, eles podem estar interligados ou não. Me dedicarei muito a ele, colocarei meus sentimentos, desejos, angústias, medos, realizações e, tudo que estiver no meu coração. Espero que gostem, críticas serão sempre bem vindas...