Capítulo trinta e dois

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A manhã estava fria no cemitério, o ar gelado e o vento frio eram fora do comum, não que cemitérios sejam quentes de forma alguma. Mas aquela manhã em especial estava mais fria do que as outras. Victor não sabia dizer o porquê, ainda era verão, e um verão com manhãs frias, não era de se esperar.

Pousou a rosa vermelha que trouxera, lentamente sobre o túmulo, as palavras hoje lhe fugiam, quando saiu de casa naquela manhã fria, não sabia se alguma palavra seria pronunciada, elas quase nunca eram, e agora não estava sendo diferente. Alguns dizem que chorar é o melhor remédio, mas e quando o choro não cura? Qual o remédio a ser tomado então? Se apegar as lembranças talvez?

Enquanto o vento soprava as lembranças eram trazidas, a primeira vez que sentiu o perfume de rosas, a fragrância do café que se misturava com o doce perfume. A ousadia da mulher que mudaria sua vida, tudo aquilo foi trazido se não pelo vento, por uma força maior.

O vento se foi e com ele o perfume, então uma nova rajada veio e um outro perfume invadiu suas narinas, erva doce, a fragrância que o impediu de ser um assassino, que deu luz a sua vida pela primeira vez, que fez com que Victor sorrisse o primeiro sorriso sincero de sua vida, que o ensinou a amar, que fez seu coração disparar tantas vezes.

A primeira vez que sentiu aqueles dois perfumes, foi inebriante de mais para ele, quando algo assim acontece é como se o universo de alguma forma te avisasse. " Está sentindo isso? Aproveita, por quê não vai durar para sempre." Não ia durar para sempre, nada dura para sempre, e isso era a pior coisa, o para sempre, sempre acaba, e quando ele acaba te destrói.

A destruição de um homem, é algo que muitas das vezes é irreversível. Victor viu isso acontecer com seu pai, depois da morte da sua mãe ele jamais saiu do poço, onde cavara sua própria destruição. Talvez se o pai tivesse tido a sorte de encontrar um novo amor isso tivesse mudado, mas ele não teve essa sorte, o universo não mandou para o seu pai um perfume inebriante que o fizesse retomar a vontade de viver.

Mas o universo fez isso com Victor, o universo gostava de brincar com ele, primeiro fez Victor conhecer o amor, viver o amor, saber como era estar no auge da paixão e depois lhe tirar isso, como quem tira doce de uma criança. Foi a vez de Victor conhecer a sua destruição, não tinha mais o perfume de erva doce, o sorriso apaixonado a esperança de dias melhores, não tinha nada, apenas o poço.

Escolher ficar no poço era tão difícil quanto escolher sair, naquele momento da sua vida, Victor passou a entender um pouco mais o pai, e precisou se lembrar das promessas que fizera a si mesmo para que não se tornasse como ele. Não foi fácil tomar aquela decisão, sair de lá, encarar todos os rostos que esperavam que ele fosse apenas como o pai não foi nada fácil. Mas ele o fez, saiu de lá e encarou a todos novamente.

E como se isso não fosse difícil o bastante o universo resolveu brincar com Victor novamente, lhe enviou aquele perfume de rosas, que fez suas mãos soarem, seu coração bater fora do ritmo e seu sorriso ressurgir. Lutar contra aquilo era impossível, não tinha como e ele se deixou levar pelas artimanhas do senhor universo.

Se apaixonou de novo, se deixou levar pela feiticeira que lhe lançou seu melhor feitiço, o feitiço do amor, ela usou seus melhores ingredientes e logo ele se viu envolvido por aquela mulher forte e determinada, que não tinha medo de lutar pelo que queria.

Renata era o oposto de tudo o que ele conhecia até aquele momento, o oposto de tudo o que ele se apaixonara um dia, se perguntassem a ele algum dia se queria se apaixonar por uma mulher como ela, com certeza ele responderia que não, uma mulher forte e decidida era o oposto da mulher frágil e doce que era Jasmine, mas não era ele quem mandava, era o senhor universo e esse gostava de pregar peças em Victor, gostava de jogar ele no fundo do poço.

Lembranças das últimas semanas invadiram sua mente e uma lágrima solitária escorreu até o canto de sua boca, ele se lembrou de sua feiticeira, da primeira vez que a viu, da sensação de ser tocado por ela, do café que derramou em sua camisa quando não conseguia tirar os olhos dela, e então se lembrou do sangue nos lençóis, da sensação de estar no hospital esperando por respostas, de querer a todo custo invadir aquela sala de cirurgia e exigir que ela ficasse bem, mas as coisas não eram tão simples assim, ele tinha que sofrer, que ir até o fundo do poço mais uma vez. Aquele poço escuro e imundo, aquele que tirara a vida do seu pai, que quase lhe tirara sua própria vida. Como era difícil estar ali novamente e a única coisa que Victor podia fazer era esperar, e ver se o universo teria compaixão dele e o tiraria dali. E Victor esperou, foi a noite mais longa da sua vida.

Mais um vento frio soprou e trouxe consigo o perfume de rosas de sua feiticeira, lhe tirando dos pensamentos sombrios que invadiam sua mente. Victor se virou lentamente e viu Renata caminhando para ele. Ela estava mais linda do que nunca, os olhos brilhando.

Aquela noite no hospital enquanto Renata era operada, Victor desceu ao fundo do poço pela segunda vez na sua vida e ele sabia que se Renata não sobrevivesse, dessa vez ele não sairia mais de lá.

Mas o senhor universo teve compaixão de Victor, e Renata sobreviveu, a cirurgia levou mais de quatro horas mas a bala foi removida com sucesso, ela se recuperou bem e Victor pode voltar a ter paz.

Paola que causara todo aquele mal, não teve tanta sorte, ao cair da sacada sofreu uma lesão muito séria na coluna, e acabou ficando paraplégica, Renata e Victor decidiram não dar queixa contra ela, afinal tinha conquistado sua prisão perpétua, ficar presa aquela cadeira de rodas seria sua prisão. Mariano prometera a Victor que Paola jamais chegaria perto de Renata outra vez, e se isso acontecesse de novo, Victor sabia que acabaria se tornando um assassino.

- Vamos meu amor? - Renata disse baixinho ao se aproximar dele.

- Vamos. - respondeu com um sorriso se despendido do túmulo de Jasmine.

Naquela manhã estranhamente fria de verão, fazia exatamente três anos da morte de Jasmine, todos os anos Victor ia até o cemitério, nunca sabia o que ia dizer, se iria dizer alguma coisa, antes ele nem sabia se alguém iria escutar, mas agora era diferente, ele sabia que Jasmine escutava. Com certeza ela estava em algum lugar olhando para ele, Victor sabia que Jasmine havia mandado Renata para lhe resgatar do poço. Para libertar sua alma de viver na escuridão.

Quando estavam se aproximando da saída do cemitério, Renata parou sorrindo para Victor.

- Eu esqueci uma coisa. - ela disse erguendo a rosa vermelha que trazia na mão direita. - Eu já volto.

Então se afastou de Victor e foi até o túmulo de Jasmine, se abaixou e colocou a rosa ao lado da que Victor havia deixado ali mais cedo, um sorriso de gratidão brotou em seus lábios e ela disse baixinho:

- Obrigada, por ter ensinado a ele como amar. Obrigada por me mandar para ele.

Fim.

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Obrigada de coração a todos que chegaram até o fim, que leram , votaram, comentaram e me incentivaram a continuar. Muito obrigada. Espero que tenham gostado.

Abraços quentinhos a todos.









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