A estrada estava silenciosa e escura.
A única luz que a iluminava, com exceção da lua, era dos faróis solitários do único carro que ousava cruzá-la em alta velocidade.
O único carro, em anos, que se atreveu a fazê-lo.
O horizonte era um ponto escuro e longínquo. Não havia nenhum farol à frente, nem mesmo um animal à beira do acostamento, pois até mesmo os animais temiam aquele asfalto maldito.
O homem que dirigia o carro não tinha medo de nada.
Era jovem e arrogante, idiota até o último fio de cabelo, pois só conseguem ser arrogantes os mais idiotas dos homens – era o que a longa estrada considerava em seus quilômetros de asfalto. Era estúpido a ponto de desafiá-la e insistir em provar sua ousadia e coragem.
A coragem – reverberava a estrada em suas curvas – era a qualidade dos tolos.
Aquele jovem era rico e bem de vida. Tinha tudo que se poderia desejar, mas desejava mais. Os homens – ponderava a estrada em sua sabedoria quilométrica – nunca estavam satisfeitos com o que possuíam. Se forem amados por uma mulher, desejam conquistar outra; se possuem dinheiro suficiente para viver, desejam mais dinheiro para esbanjá-lo.
O carro era bonito e negro, de uma marca famosa. Custava meio milhão, segundo espalhava o homem aos quatro ventos. Nada disso importava à estrada. Para ela importava apenas que o fato de o homem estar ali; ele e o seu carro eram uma afronta e uma ofensa à sua longa soberania.
Mas a estrada sabia ser paciente. Um homem se perde quanto mais confiança possuir. E aquele homem a tinha – e muita. Era apenas uma questão de tempo até que toda aquela vaidade o engolisse.
A estrada esperou. Esperou até o melhor trecho, a melhor curva. E foi nesse momento, sedenta de vingança, que a estrada tomou sua parte.
Ela tinha fome de corpos e sede de sangue.
O homem sentiu o volante fugir ao seu controle. Ele girou incontrolavelmente, vertiginosamente, enquanto tentava em vão conduzi-lo. Os pedais também agiam sozinhos, em uma harmonia macabra.
Ninguém desafiava a estrada.
Ela os engolia. Pedaço por pedaço.
Naquela noite a estrada sorriu por último em uma curva acidentada.
E que ninguém mais ousasse desafiá-la.
Esse conto está na sua versão revisada e ampliada. A versão original se encontra no site Um Ano de Medo:
http://umanodemedo.blogspot.com.br/2013/09/a-estrada.html
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