Fantasmas em casa

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Todos já sabiam, é claro, da mudança dos Bailey no final de semana. Vinte anos de memórias não se apagariam da lembrança da vizinhança do dia para noite, nem de Sarah, tampouco. Mas, infelizmente, era algo que ela não poderia protestar. Ruty e Abby haviam passado a última semana inteira dormindo em sua casa, desejariam passar os últimos momentos com Sarah — isso incluía comprar o cereal favorito de Abby e comprar os enlatados de Ruty. Não era algo que poderia protestar, e nem seu pai, o Sr. Bailey, tampouco. Tudo que poderia fazer era reunir suas coisas, e diminuir suas lágrimas.

Nas últimas semanas, Sarah ficara extremamente emocional: as pessoas nas ruas, sempre dizendo ''Ficarei com saudades'' e ''Pobrezinha, sua mãe gostava tanto daqui...'', ou então, ''Será que vai se acostumar na casa nova? Depois de tantos anos, coitada!'', não ajudavam em nada. A verdade é que estava odiando tudo aquilo, todo esse negócio de viagem e vida nova, mas principalmente porque era a única, completa e totalmente, culpada por aquilo estar acontecendo. Se não fosse tão criança... Adorava sua vida em San Francisco, mudar significava abandonar todas as lembranças e tudo que construira ao longo dos anos desde que se conhece por gente, e isso significava desligar por tempo indeterminado todos anos vividos. As ruas e avenidas eram como veias do seu corpo, uma extensão de quem era; seria um castigo? Um castigo do Diabo?!

Por mais que Roob tivesse dito que era uma medida provisória, como férias de longa data, não era verdade, ou não estaria colocando a casa à venda. Isso era vender, também, todas as memórias nas paredes, todos os momentos de felicidade dos últimos anos, todas as... lembranças. Era algo que simplesmente não podia aceitar. Não estava, no entanto, em posição de objetar quaisquer atitudes tomadas. Sabia que era para o seu próprio bem. Apesar disso, se afastar de todos, e da escola, parecia... exagerado.

Além disso, os móveis espalhados pela casa, todos cobertos por lençóis brancos de seda, pareciam fantasmas espalhados pelos cômodos. Sarah lembrou-se que quase caiu da escada quando descera e vira a sala cheia de fantasmas — só depois percebera que eram os móveis encobertos com lenços. Eles já estavam assim há três semanas, pois os vôos haviam sido interrompidos pelas tempestades e mal tempo dos últimos dias; estava, assim, vivendo entre objetos empacotados, fantasmas pela casa e comendo pizza e enlatados até a morte, pois toda a comida e a louça também já haviam sido guardadas.

O retrato envelhecido e amarelado de sua mãe pendia em suas mãos, enquanto Sarah tentava retirar da sua cabeça a ideia louca e infantil de descer lá embaixo e dizer para Roob que simplesmente não iria para Los Angeles. Que iria ficar. Que se negava a deixar o passado das paredes velhas e os fantasmas nos seus sonhos para trás. Que era um passo muito grande, radical demais, tomado em um curto espaço de tempo. Que não pensara direito, tomara as decisões de cabeça quente, mas agora via a realidade por trás da promessa falsa de uma nova vida. Gostava da sua velha vida, e não iria mudar.

Bolas, já tinha dezessete anos! Já poderia tomar suas decisões sozinhas, hein?! Se odiasse Roob, talvez faria isso, mas sabia que iria matá-lo por dentro. Então, tudo que poderia fazer era devolver o retrato de sua mãe morta para dentro da caixa, na qual estava escrito bem grande com canetão em preto: NÃO BATA - SENSÍVEL.

— Últimas palavras, querida? — grunhiu Roob, ainda abraçando-a com afeto; os braços do seu pai era os únicos que sempre a confortavam, macios e calorosos; sentia-se protegida, dentro de uma lareira, em seu abraço.

— Tchau, mamãe.

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⏰ Last updated: Aug 02, 2016 ⏰

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