Prelúdio

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  50 anos antes de tudo

Bento....

Vou enlouquecer, não suporto mais tudo isso, eu e Katerini estamos discutindo bastante ultimamente, na verdade nem sei porque brigamos ontem, tento lembrar, mas o fato não vem à mente. Depois de discutir mais uma vez com minha amada, sai de sua casa e perambulei, passei a noite entre as ruas estreitas e de terra deste inferno que chamam de cidade, com os pensamentos voltados a minha vida miserável. Agora as 07:00 horas da manhã, resolvi por fim parar em uma cafeteria e colocar algo em meu estômago, que fica agradecido em sentir o gosto do café amargo. Minha alma está perturbada, sento ali mesmo, na calçada suja e empoeirada, para degustar o pouco de alimento que comprei, com um movimento rápido levanto e continuo minha jornada sem destino.

Sinto-me desgostoso com minha vida e penso se realmente não deverias ter me jogado daquela maldita ponte, que fiquei inclinado quase toda a noite, pensando se eu deveria por fim acabar com todo o sofrimento de minha alma. A conclusão que cheguei foi que se houvesse um pouco mais de coragem eu teria realizado tal ato. Poderia ter encontrado está coragem na bebida, mas as palavras de meu pai soaram na mente como um aviso de possível morte. Ele próprio dizia que a bebida matava as pessoas.

Paro de andar e olho ao meu redor, tentando mudar o foco de meus pensamentos malditos. A grande catedral da cidade se impõe à minha frente, com suas portas de madeira já abertas, convidando os fiéis a entrar.

Não penso muito, só caminho em sua direção e fico me perguntando quanto tempo não entro em um lugar como esse, a resposta que consigo achar é meu pai, o seu enterro, há um ano.

Atravesso as grandes portas imponentes sentido um arrepio na espinha, como se tivessem me jogado um balde de água fria. Dou passos cuidadosos avaliando aquele ambiente que sempre me pareceu acolhedor, e me vejo sozinho em seu centro.

Aos pés do altar eu paro e não sei o que faço ali, minha mente ordena que corra e saia o mais rápido que minhas pernas aguentam, mas minha alma está me convidando a ficar.

Caio de joelhos e sinto-me em paz, de forma tão intensa que o peso da minha alma reduz pela metade, aos poucos ela diminui mais ainda e me sinto tranquilo e leve, tenho a sensação parecida com aquela que quando estamos tristes e nossa mãe nos abraça, sentimos seu calor, que deixamos nos envolver e nos acalma e por fim ela diz "meu filho, tudo vai ficar bem", mas sinto que essa é muito mais envolvente.

As lágrimas escorrem por meu rosto, tentando expulsar a dor de minha alma, mas o choro se torna um silêncio visível, mesmo com as lágrimas caindo, minha voz não sai para gritar da mesma maneira que minha alma está gritando, sinto que esse é choro mais profundo e dolorido que já senti, ele vem de dentro da alma e envolve todo o meu ser.

Escuto ruídos, são os sinos e me pergunto quanto tempo estou aqui? Minha alma diz que são apenas alguns segundos, mas sei que é bem mais que isso. Levanto vagarosamente, bem mais calmo, como se estivesse nos braços de Deus, não desejo mais sair daqui. Procuro um local próximo aonde estou, mas que não seja tão visível minha presença ali. Por fim encontro um banco próximo a uma das colunas altas que dão sustentação aquela construção antiga e majestosa.

Lembro dos anos que passei com meu pai e minha mãe no interior, em uma propriedade cercada por pés de uvas, maçãs, laranjas e um enorme rebanho de ovelhas. Dos passeios que eu e papai dávamos ao entardecer pela propriedade, do aroma de torta de maçã que mamãe fazia para nós.

Depois vem a memória os anos no quartel, minha mudança para a cidade grande, eu me tornando policial e papai orgulhoso pelo único filho vivo ser da polícia.

Mas papai morreu, levando uma boa parte de minha alegria, tentei administrar a propriedade, pois adoro aquele lugar e cuidar das plantas e animais, vê-los crescer e se desenvolver em meio a natureza que se renova todo dia, o milagre da vida quando nascia uma ovelha. Mas tudo me lembrava dele e não consegui ficar lá mais que alguns meses.

Tudo começa a desandar em minha mente, vêm à tona todas as brigas por motivos tolos com minha noiva Katerini, que ainda não sei se realmente amo de verdade. Fico triste com essas lembranças, então a voz de minha mãe sussurra em meu ouvido, "meu filho, você é de Deus", não sei exatamente o que ela queria dizer com isso, mas me enchia de orgulho, que agora não passa de meras palavras. Mamãe é de uma fé inacreditável que envolve todos ao redor e não posso negar que também me envolve.

Escuto os sinos novamente e vejo que a muitos fiéis entrando, a catedral que o outrora estava em paz, agora está com o som de várias vozes em um ritmo desafinado. Percebo que irá ocorrer uma celebração, o sino toca novamente, o povo se cala e um coral começa a embalar uma melodia que envolve todos os cantos do recinto.

As orações do sacerdote me envolvem de tal maneira que não consigo deixar de ouvir cada palavra proferida. Tudo me atrai a ficar ali e não deixar mais aquele lugar que deixa minha alma se sentir acolhida e em paz. A fé que estava adormecida em mim, sai em sincronia com cada ato realizado durante a celebração. Escuto que "o amor é tão poderoso como a morte", essa mensagem arranca cada centímetro de dor que ainda resta em mim.

Fico triste quando a celebração acaba, mas sinto que estou arrependido por tudo que fiz, peço perdão a Deus por meus atos, por ter abandonado–o no momento em que ele poderia mais me ajudar; de magoar e ferir cada pessoa que me ama e que amo.

Isso me dá forças e levanto determinado a mudar minha vida, seguir um caminho que eu possa encontrar a paz, pois se continuar assim encontraria a morte. Sai em rumo a casa de Katerini, não quero mais brigar, preciso ter uma conversa verdadeira com ela. Estou focado nesse objetivo, é o primeiro passo para me tornar uma pessoa melhor, eu sinto isso.

Cruzo a rua sem me preocupar com mais nada, mas um enorme clarão forma em minha direção, fazendo eu parar meus passos e sinto uma forte dor na cabeça, que como veio, se foi e minha alma fica leve e em paz.

Acordo meio tonto, enxergando em vultos, me perguntando o que aconteceu. Então o vejo, todo de branco em minha frente, à visão normaliza e um ambiente calmo, azul e branco se estende.

– Bento – ele me chama.

– Quem é você? – pergunto com medo.

– Sou um anjo, enviado de Deus – sua voz sai doce e calma.

– Um anjo – olho assustado ao meu redor e não o reconheço – Aonde estou?

– No céu.

– Eu morri? – vem à lembrança dos últimos acontecimentos em minha mente.

– Sim. – sua voz sai calma, como se fosse o fato mais normal do mundo, não respondo, então ele continua – Você foi escolhido entre os mortos, para ser um anjo defensor dos céus e protetor da terra.

– Escolhido? Quem me escolheu? – estou confuso.

– Ele – e aponta para cima – Deus te escolheu.

– Eu, eu não sou digno – digo frustrado por minhas ações passadas.

– Ele não escolhe por acaso, tudo na vida tem um propósito. – diz me olhando nos olhos, como se enxergasse através deles. Fico em silêncio, as palavras não querem sair de minha boca.

– Você aceita está missão que Ele está te oferecendo?

Êxito por um instante lembrando tudo que senti e digo sentindo toda a fé que existe em mim – Sim, eu aceito essa missão – a voz sai firme e confiante, ele dá um pequeno sorri.

– Então a partir de hoje, você não será mais um simples ser, mas será um anjo que cuidará e protegerá os céus e a terra das trevas, não se chamará mais Bento, mas sim, Kaliel. 

Novo Começo (1/romance/fantasia)- DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora