Capítulo 1

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"Finalmente estou sentado! Já me dói as costas!" Reclama o meu pai. 

Sento-me ao lado dele, perto da janela, a observar tudo lá fora. É mesmo hoje, é hoje que vou para os Estados Unidos, deixar todas as más recordações para trás e seguir em frente.

"Bem-vindos ! Sou o vosso piloto e daqui a cinco minutos vamos descolar , peço que todos os passageiros metam por favor o cinto de segurança da respetiva forma como a srª hospedeira irá demonstrar daqui a alguns minutos. Boa viagem" escutei com atenção.

"Então Sam, estás preparada?" Pergunta o meu pai.

"Sim. E tu?" Sorri. "C-claro entao... isto não é nada!" Responde ele, noto que está nervoso, está passar a língua pelos lábios demasiadas vezes e os punhos a cada vez apertarem mais os braços da cadeira. Ouço os monitores do avião a acelerarem e o avião começa a descolar devagar. Vejo o meu pai a dar-me um sorriso a tentar esconder o nervosismo e dou-lhe um sorriso de volta. Quando olho para fora vejo que o avião já está na pista e sinto que os motores começam a acelerar ainda mais do que antes. Sinto algo estranho na barriga e sei que agora estamos mesmo no ar.

"Estamos no ar , estamos no ar!" Diz ele com os olhos arregalados a olhar pela janela.

"Pai , calma, isto vai passar num instante, enconsta-te e decontraí" Digo-lhe, e ele começa a rir "Rezemos para que sim filha." Ainda continuamos a falar um pouco á conversa mas passado alguns minutos sinto-o a encostar a cabeça no meu ombro.

"Mãe , mãe , oh mãe quero o meu peluche!" Ouço uma rapariga pequena gritar, deve ter uns 5 anos.O som da palavra "Mãe" faz-me entrar num estado de tristeza, faz-me sentir diferente, perdida, nem sei bem explicar. Nunca conheci a minha mãe, ela saiu da casa quando eu tinha 1 ano.  Não me lembro da voz dela , não me lembro do cheiro dela , não me lembro do sorriso dela , não me lembro do riso dela e simplesmente não me lembro dela. Só a vi em fotos porque quando era pequena encontrei uma caixa no sótão com fotos dela. Como eu não sabia quem era fui perguntar ao meu pai e ele contou-me que era a minha mãe. Nunca me disse o porque de ela nos ter deixado. Tenho tantas dúvidas sobre ela e sobre o porque o meu pai nunca querer falar sobre esse assunto. 

"Pergunta a tua irmã!" A mãe da menina responde.

"Está aqui." Uma voz, desta vez diferente responde, suponho que deva ser a irmã.

 As lembranças da minha infância e de como ela não foi fácil invadem os meus pensamentos. Como nunca tive uma presença feminina na minha vida, e apenas vivi rodeada de homens era como um que me comportava um pouco, como um rapaz. Eu era sempre gozada, diziam-me coisas horríveis e posso dizer que não era das mais magras por isso era alvo de chacota desde pequena. Usava óculos e tinha o cabelo curto até aos ombros, utilizava sempre t-shirts largas para me tentar "afogar" na amplitude da t-shirt. Eu costumava ter amigas , mas não muitas... Sempre me senti a mais feia entre o grupo, não é que agora não me sinta mas naquela altura era bem pior, porque as minhas amigas estavam sempre bem vestidas, a usarem marcas caras e eu usava aquilo que o meu pai me podia comprar. Mas havia um rapaz que gozava todos os dias comigo , eu não o suportava e para meu azar não houve um ano que não estivessemos na mesma turma. Ás vezes, ele nas aulas ficava atrás de mim, houve até uma vez na aula de desenho ele cortou um pouco do meu cabelo . Ele tocou no meu ombro e eu virei-me para trás, mostrou-me o meu cabelo na sua mão, fiquei sem saber o que dizer, simplesmente a olhar para ele com uns fios de cabelo meus entre os seus dedos, as palavras não me saíam da boca. Ele disse " Não faz mal , tu já tens cabelo de rapaz , por isso não faz diferença!" e riu-se. Nunca mais me esqueci daquelas palavras. Para além disto fez tantas outras coisas. Ele e os seus amigos eram o meu tormento, o meu pesadelo naquela altura. Todas as minhas amigas já não falavam comigo e cheguei, com 14 anos a pensar em suícidio, algo tão egoísta da minha parte para com a minha família mas que para mim era a única solução, até o bully se ter mudado, aí as coisas acalmaram mas não acabaram totalmente. Não quero pensar mais nisto e "sacudo" estas lembranças da minha cabeça... Pelo menos por agora.

Encosto a  minha cabeça na cabeça do meu pai , e sinto-me a adormecer.

"Estamos a chegar dentro de alguns minutos vamos aterrar." Acordei com o voz do piloto. Olho para o meu pai e ele deu-me um pequeno sorriso. Acho que por dentro estava aos pulos como uma criança pequena porque finalmente tinhamos aterrado sã e salvos e porque já não via o meu irmão há imenso tempo e este iria ser a primeira vez em três anos que o iria ver desde que ele foi embora de Manchester para os Estados Unidos.

A minha relação com o meu irmão sempre foi relativamente boa , com as nossas discussões algumas bem feias porque ambos somos muito teimosos , queremos sempre tudo à nossa maneira e isso costumava causar a maior parte das discussões.

Tiro o cinto e levanto-me. O meu pai já tirou as malas dele e as minhas, então começamos a dirigir-nos para a saída do avião. Quando entramos dentro do aeroporto ouço uma voz familiar gritar o meu nome. Viro-me para trás e vejo o meu irmão com um sorriso de orelha a orelha no seu rosto. O meu pai começa a correr na direção dele e abraça-o mas eu fico parada , congelada , com os pés coladas ao chão e a minha cabeça ficou a mil quando vejo aquela cara. É aquele rapaz que em tempos temi, é impossível de não reconhecer aquela cara fosse onde fosse.

É ele , é o Harry! 

Strange way to loveOnde histórias criam vida. Descubra agora